sábado, 4 de junho de 2022

Dia 12 de manhã - o extraordinário museu de Cujanda

O descanso foi bom e permitiu recuperar algum do cansaço acumulado. As forças recuperadas foram complementadas pelo pequeno-almoço no hotel, o qual não me canso de dizer é de uma beleza imperial, como podem ver somente pelo salão onde o tomei.

Aliás, creio que posso dizer que Cujanda é efectivamente toda ela grandiosa, não somente pela sua História, mas pelo que os tajiques fazem dela.

O dia começa com a visita ao museu construído em 2006, oficialmente Museu Histórico da Região de Sughd, o qual, arrisco-me a dizer, é dos mais belos e bem pensados museus que já visitei…e já foram alguns. Para contextualizar um pouco, a região em causa está ligada à antiga civilização iraniana de Sogdia no vale Zarafexã. A região foi povoada cerca de 1000 a 500 a.C., tendo depois sido ocupada pelo primeiro império persa aqueménida, por Alexandre o Grande, pelo reino Greco-Báctrio e por várias invasões de nómadas como os sacas, iuechis e mongóis. Mesmo durante a idade média a região teve sempre cidades florescentes, pelo que Cujanda segue essa mesma “linhagem”.

Entro no museu e fico imediatamente extasiado perante o hall de entrada.

Ao saberem que sou português, indicam-me uma guia falante de inglês de seu nome Inoyat Mirzoeva, a qual, pela paixão, conhecimento e doçura em todas as explicações me relembrou uma guia que tive enquanto aluno da secundária ao Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa. Nunca é de mais valorizar o trabalho destes profissionais, os quais nos transportam por viagens no tempo e no espaço também, pois com esta guia senti-me a viajar em todas as dimensões.

O museu guarda História desde as primeiras civilizações de cerca de 4000 a.C. como Sarazm (poderão recordar-se que não consegui visitar Sarazm por ter demorado muito tempo nos Sete Lagos) até ao período soviético mais recente.

Começamos pelo piso subterrâneo e pela fabulosa sala constituída por sete painéis de mármore que mostram a vida de Alexandre, o Grande. Estes painéis foram feitos por um único artista no período de um ano, usando somente mármore nacional. Cada painel leva cerca de 1400 peças de mármore. Destaco aqui dois dos painéis: o primeiro onde Aristóteles mostra espanto pelas respostas do seu discípulo Alexandre, o qual levaria a filosofia aristotélica para leste, Tajiquistão inclusive, à medida que expandia o seu império.

O segundo painel, na sua morte, quando Alexandre pediu para ser transportado com as suas mãos pendentes e abertas para que o povo visse que na morte nada levamos para o outro mundo, nem mesmo o maior dos imperadores.

Saindo da sala de Alexandre, o Grande, entramos na parte mais antiga da exposição que vai desde o paleolítico superior até à idade do ferro. Por muitas fotos que mostre, nunca conseguirei transmitir a atmosfera que respiro nesta sala. Destaco aqui a criatividade e inspiração dos criadores do museu e dos artistas que criaram as duas salas seguintes, retratando como seria a vida nas épocas em questão. Se repararem bem, as paredes não são somente pintadas, como esculpidas, o que contribui para uma sensação de realismo impressionante.

Uma das particularidades criativas deste museu é que caminhamos sobre uma estrutura transparente onde imensos artefactos estão por baixo dos nossos pés, o que faz com que caminhemos literalmente sobre a História. Confesso que, apesar de saber perfeitamente que a estrutura era sólida, fiz este percurso com “pezinhos de lã”!


Termino este percurso e sou “apresentado” ao criador da palavra medicina. Bem, na realidade sou apresentado a alguns artefactos usados por Abu Ali ibn Sina, mais conhecido como Ibn Sina ou, entre nós, por Avicena, o mais importante dos polímatas da Idade do Ouro Islâmica. Se quiserem ficar com uma ideia da sua importância poderemos dizer que Ibn Sina está para o seu tempo como Leonardo da Vinci para o Renascimento. Dos imensos tratados que escreveu sobre os mais variados temas, 240 chegaram aos nossos dias e, destes, 150 são sobre filosofia e medicina.

A sua obra “Cânone da Medicina” foi usada até ao século XVII por várias universidades europeias, o que é extraordinário, tendo em conta que foi escrita no início do séc. XI. É considerado por muitos o percursor da medicina moderna. E porque é que me foi apresentado como estando na origem da palavra medicina? Porque sempre que alguém necessitava de ajuda médica, diziam em persa “Madidi Sina”, o que significa “Ajuda de Sina”. Ter a possibilidade de ver alguns dos instrumentos por ele usado faz-me viajar 1000 anos e tento imaginar como seria a sua “bancada cirúrgica”…indescritível a sensação!

Ainda siderado por esta “apresentação”, segue-se Abu-Mahmud Cujandi (tradução minha, pois não encontrei nenhuma online), outro notório filho de Cujanda. Astrónomo do século X, foi o primeiro a construir um sextante mural e a concluir que a inclinação axial da terra varia ao longo do tempo.

Antes de terminar a viagem pelo museu, visito a “casa” tajique do séc. XVIII.

O museu tem uma pequena livraria/alfarrabista onde me perderia facilmente por uma hora ou mais, mas a viagem longa que tenho pela frente impede-me de usufruir dela como gostaria.

Depois de me ter despedido da fantástica guia, volto atrás e pergunto-lhe se posso tirar uma foto com ela. Acreditem quando vos digo que Inoyat Mirzoeva é a encarnação perfeita da alma do museu e da História de Cujanda. A ela estarei eterna e profundamente agradecido pelos ensinamentos e carinho com que os transmitiu. Que fantástica maneira de começar o dia. Bem-haja!