Vejo diariamente artigos, publicações, crónicas e opiniões
sobre a questão dos refugiados de guerra da Síria. Não, não são migrantes.
Migrantes são as andorinhas. São refugiados de guerra, pessoas que tinham o seu
emprego, cujos filhos estavam na escola, pessoas que tinham o que consideramos uma
vida normal antes de a guerra lhes ter batido à porta com estrondo!
De um dia para o outro viram a sua vida transformada num
inferno. Trabalhar era impossível, as janelas tinham de ser mantidas abertas
para não estilhaçarem sempre que um morteiro caía mais perto, as crianças
deixaram de ter escola onde ir, os feridos deixaram de ter um hospital para os
auxiliar e a rua onde dantes as crianças brincavam passou a ser um “teatro de
guerra”.
Perante a situação decidiram os chefes de família gastar
todo o seu dinheiro, certamente acumulado com muito esforço e suor, para pagar
uma viagem arriscada, mas com a possibilidade de puderem oferecer segurança
para os seus filhos. Ou, em alternativa, uma morte rápida que não às mãos do
estado islâmico. Mas acredito que seja a possibilidade de darem uma hipótese
aos seus filhos que os moveu.
Sim, certamente que sabem que estão a pagar a pessoas sem
escrúpulos que fazem do tráfego humano o seu modo de enriquecimento. Sem dúvida
que sabem que estão a sustentar corruptos. Mas sem dúvida que também sabem que
sem eles não terão nenhuma possibilidade de chegarem à Europa. Europa essa que
sabem ter a humanidade que falta em outros países islâmicos como a Arábia
Saudita ou o Qatar.
Nestes tempos em que a crise da Europa é tão falada e em
que, nós portugueses, sabemos bem o que é não terem solidariedade para
connosco, fico triste por ver que alguns de nós defendem que não deveríamos
acolher refugiados de guerra, enunciando vários motivos.
O primeiro motivo prende-se com o medo de, no meio destes
refugiados, poderem vir terroristas. Reconheço que o medo é legítimo, mas
fecharmos as fronteiras a crianças que fogem da guerra, da tortura e da fome
por causa do medo, só demonstra que o medo já venceu, que os terroristas nem
precisam de vir para cá, pois já nos venceram. Ao tirarem-nos a humanidade, a
solidariedade e a compaixão terão destruído o que de melhor nós temos, pois sem
isso somos pessoas muito mais pobres, pessoas muito mais tristes, pessoas para
quem o futuro estará cheio de muitas coisas, mas não de valores que possamos
transmitir aos nossos filhos.
O segundo motivo está ligado à crise que atravessamos. Se
não conseguimos evitar que os nossos filhos emigrem, como é que podemos acolher
estas pessoas? Que tipo de governo pondera dar casas e dinheiro a refugiados
quando “obrigou” o seu povo a emigrar? Todos nós conhecemos quem tenha tido de
emigrar, a esmagadora maioria de nós estamos pior agora do que há uns anos, mas
nenhum de nós viu a escola primária da sua terra desaparecer sob escombros,
nenhum de nós viu o hospital da sua área ser destruído, nenhum de nós vive sem
a possibilidade de um futuro. Não digo melhor ou pior, mas sim de um futuro.
Coisa que estas pessoas, que estas crianças não têm. Nem presente têm, pois as
suas vidas foram-lhes suspensas pela guerra. E estes são os sortudos, aos
outros a guerra não suspendeu a vida, limitou-se a levá-la.
O terceiro motivo está relacionado com o facto de alguns
países muçulmanos não os acolherem: aos seus. Porque haveremos nós de fazê-lo?
Este motivo parece-me o mais pífio de todos. Sim, existem pessoas mais
solidárias, outras menos, existem povos mais amigáveis que sempre acolheram os
nossos emigrantes e outros menos. Os que nos souberam acolher ganharam ou
perderam com isso? E nós? Queremos ganhar com a solidariedade e a integração ou
queremos perder com a falta dela? A resposta parece-me clara.
Vejo também quem fale dos indigentes portugueses, das
crianças órfãs em Portugal que ninguém acolhe, gente essa agora disposta a
acolher as crianças “dos outros”. Sinceramente, quando vejo uma criança
necessitada de ajuda só vejo uma criança. Não vejo a sua cor, o seu credo ou a
sua origem. Vejo uma criança. Não deveríamos todos vê-la também?
Finalmente abordo a questão de o facto de esta gente ser
diferente, de não assimilar os nossos costumes, de serem do credo religioso a
que também pertencem os membros do Estado Islâmico. Não vou precisar de relembrar
que, entre nós, “bons cristãos”, existem violadores, pedófilos, corruptos, quem
assassine inocentes por causa de um cão barulhento, pessoas que não têm pudor
nenhum em prejudicar outrem para se beneficiarem a si, etc., etc. Para esses
todos e para os que vierem que violem as leis contamos com um estado de
direito, certamente não perfeito, mas um estado de direito. Algo que, já agora,
eles também deixaram de ter no seu país.
A integração feita por amor ao próximo e compaixão não
empobrece, enriquece quem acolhe e quem é acolhido. E nós? Que queremos para o
nosso futuro? O empobrecimento material comparativamente a um passado recente
não nos chega? Queremos mesmo somar a esse empobrecimento material o
empobrecimento da alma de quem recusou solidariedade a quem nada restava? Eu,
pessoalmente, abdico do segundo. E você?
É isso mesmo, subscrevo inteiramente.
ResponderEliminarIt's nice to finally see someone who "gets it".
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