segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Os "outros"

Vejo diariamente artigos, publicações, crónicas e opiniões sobre a questão dos refugiados de guerra da Síria. Não, não são migrantes. Migrantes são as andorinhas. São refugiados de guerra, pessoas que tinham o seu emprego, cujos filhos estavam na escola, pessoas que tinham o que consideramos uma vida normal antes de a guerra lhes ter batido à porta com estrondo!

De um dia para o outro viram a sua vida transformada num inferno. Trabalhar era impossível, as janelas tinham de ser mantidas abertas para não estilhaçarem sempre que um morteiro caía mais perto, as crianças deixaram de ter escola onde ir, os feridos deixaram de ter um hospital para os auxiliar e a rua onde dantes as crianças brincavam passou a ser um “teatro de guerra”.

Perante a situação decidiram os chefes de família gastar todo o seu dinheiro, certamente acumulado com muito esforço e suor, para pagar uma viagem arriscada, mas com a possibilidade de puderem oferecer segurança para os seus filhos. Ou, em alternativa, uma morte rápida que não às mãos do estado islâmico. Mas acredito que seja a possibilidade de darem uma hipótese aos seus filhos que os moveu.

Sim, certamente que sabem que estão a pagar a pessoas sem escrúpulos que fazem do tráfego humano o seu modo de enriquecimento. Sem dúvida que sabem que estão a sustentar corruptos. Mas sem dúvida que também sabem que sem eles não terão nenhuma possibilidade de chegarem à Europa. Europa essa que sabem ter a humanidade que falta em outros países islâmicos como a Arábia Saudita ou o Qatar.

Nestes tempos em que a crise da Europa é tão falada e em que, nós portugueses, sabemos bem o que é não terem solidariedade para connosco, fico triste por ver que alguns de nós defendem que não deveríamos acolher refugiados de guerra, enunciando vários motivos.

O primeiro motivo prende-se com o medo de, no meio destes refugiados, poderem vir terroristas. Reconheço que o medo é legítimo, mas fecharmos as fronteiras a crianças que fogem da guerra, da tortura e da fome por causa do medo, só demonstra que o medo já venceu, que os terroristas nem precisam de vir para cá, pois já nos venceram. Ao tirarem-nos a humanidade, a solidariedade e a compaixão terão destruído o que de melhor nós temos, pois sem isso somos pessoas muito mais pobres, pessoas muito mais tristes, pessoas para quem o futuro estará cheio de muitas coisas, mas não de valores que possamos transmitir aos nossos filhos.

O segundo motivo está ligado à crise que atravessamos. Se não conseguimos evitar que os nossos filhos emigrem, como é que podemos acolher estas pessoas? Que tipo de governo pondera dar casas e dinheiro a refugiados quando “obrigou” o seu povo a emigrar? Todos nós conhecemos quem tenha tido de emigrar, a esmagadora maioria de nós estamos pior agora do que há uns anos, mas nenhum de nós viu a escola primária da sua terra desaparecer sob escombros, nenhum de nós viu o hospital da sua área ser destruído, nenhum de nós vive sem a possibilidade de um futuro. Não digo melhor ou pior, mas sim de um futuro. Coisa que estas pessoas, que estas crianças não têm. Nem presente têm, pois as suas vidas foram-lhes suspensas pela guerra. E estes são os sortudos, aos outros a guerra não suspendeu a vida, limitou-se a levá-la.

O terceiro motivo está relacionado com o facto de alguns países muçulmanos não os acolherem: aos seus. Porque haveremos nós de fazê-lo? Este motivo parece-me o mais pífio de todos. Sim, existem pessoas mais solidárias, outras menos, existem povos mais amigáveis que sempre acolheram os nossos emigrantes e outros menos. Os que nos souberam acolher ganharam ou perderam com isso? E nós? Queremos ganhar com a solidariedade e a integração ou queremos perder com a falta dela? A resposta parece-me clara.

Vejo também quem fale dos indigentes portugueses, das crianças órfãs em Portugal que ninguém acolhe, gente essa agora disposta a acolher as crianças “dos outros”. Sinceramente, quando vejo uma criança necessitada de ajuda só vejo uma criança. Não vejo a sua cor, o seu credo ou a sua origem. Vejo uma criança. Não deveríamos todos vê-la também?

Finalmente abordo a questão de o facto de esta gente ser diferente, de não assimilar os nossos costumes, de serem do credo religioso a que também pertencem os membros do Estado Islâmico. Não vou precisar de relembrar que, entre nós, “bons cristãos”, existem violadores, pedófilos, corruptos, quem assassine inocentes por causa de um cão barulhento, pessoas que não têm pudor nenhum em prejudicar outrem para se beneficiarem a si, etc., etc. Para esses todos e para os que vierem que violem as leis contamos com um estado de direito, certamente não perfeito, mas um estado de direito. Algo que, já agora, eles também deixaram de ter no seu país.

A integração feita por amor ao próximo e compaixão não empobrece, enriquece quem acolhe e quem é acolhido. E nós? Que queremos para o nosso futuro? O empobrecimento material comparativamente a um passado recente não nos chega? Queremos mesmo somar a esse empobrecimento material o empobrecimento da alma de quem recusou solidariedade a quem nada restava? Eu, pessoalmente, abdico do segundo. E você?



Foto tirada de: http://studart.blog.br/index.php/quando-as-jovens-andorinhas-chegarem-a-ecoescola/


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