Há dias assim. Dias em que não somos
capazes de nos sentirmos felizes com o que corre bem.
Hoje a Dona A. faleceu. Não a
conhecia, nunca falei com ela, não sei se era alta ou baixa, gorda ou magra e
até há cinco dias nem sabia que existia, confesso.
Lamento que todos os nossos
esforços não lhe tenham permitido sobreviver, que todos os cuidados que temos
há meses para minimizarmos os riscos de contágio no concelho de Oliveira do
Hospital não tenham chegado para evitar que se contagiasse e que em menos de
uma semana partisse.
Durante estes cinco dias várias
pessoas estiveram sob nosso acompanhamento (não gosto da palavra técnica
vigilância, confesso...sou médico, não vigilante). Destas pessoas acompanhadas,
a maioria estava bem, algumas tinham sintomas ligeiros e outras recuperaram
completamente e foram dadas como curadas.
Por cada pessoa recuperada há
uma pequena vitória e, de pequena vitória em pequena vitória, vamos esperando
que os dias sejam feitos somente destas pequenas vitórias. Esquecemo-nos que
existe outro desfecho possível que surge abruptamente com um telefonema.
O Sr. N., ao despedir-se hoje
de mim, na sequência do acompanhamento que fiz da sua situação, da situação da
sua mulher e da situação do seu filho, disse-me:
- Quero agradecer-lhe a atenção
e o cuidado. Ouve-se que foi montado todo um sistema para a Covid-19, mas só
quando passamos por isto é que percebemos o que isso implica. Por isso, em meu
nome e da minha família, agradeço a si e aos seus colegas terem tomado conta de
nós durante este período.
Sempre que alguém nos agradece
o trabalho que fazemos, respondemos que estamos cá para isso, mas hoje, depois
da partida da Dona A., estas palavras tocaram mais fundo, tocaram num sítio
onde outras igualmente sentidas por quem as tinha proferido não tinham tocado.
A Dona A. não teve a
oportunidade de dizê-las, nem teve a oportunidade de se despedir dos
seus...não teve, simplesmente, oportunidade.
Hoje o dia acaba triste, mas
quero dizer-lhe Dona A.: a sua partida reforça a determinação e a vontade que
vivem em nós para que as pequenas vitórias continuem dia após dia, semana após
semana...para que todos tenham oportunidades de se despedirem, não dos seus,
mas de nós. Estaremos cá, não para ouvirmos os agradecimentos, mas pelo que eles
significam: que aqueles de quem cuidamos continuam a ter oportunidades.
Até um dia Dona A. Não me
esquecerei de si…
Realmente "Há dias assim". Não conheço tristeza maior do que a morte de alguém. Que sejam, sempre, muitas mais pequenas grandes vitórias.
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