segunda-feira, 6 de maio de 2019

Os ursos

Enfraquecido pela dieta dos últimos dias e pela náusea quase constante, é com ânimo que faço a viagem que me levará à Whistler Mountain com a perspectiva de finalmente ver ursos no seu habitat natural.

A viagem decorre sem grandes transtornos, sendo a paisagem sempre de montanhas e cursos de água a acompanhar. Antes de chegar a Whistler, há tempo para uma paragem nas quedas de água de Shannon Falls e para uma pequena incursão pela floresta local e pela história da madeiração canadiana.







Reabasteço com mais umas bolachas de água e sal e sigo para Whistler ansioso por fazer o check-in no hotel. Aparentemente o quarto tem vista para a montanha. Penso para mim que aqui o difícil seria não se vislumbrar montanha alguma, mas ao chegar percebo o que queriam dizer.

Esta foto foi tirada no dia seguinte às 05.30 desde o meu quarto, mas percebem a ideia!



A excursão para avistarmos ursos está marcada para as 15.35, pelo que às 15.30 estou na entrada do hotel à espera que me recolham. Depois de me terem perguntado se me chamo Jeff enquanto esperava (mas por acaso tenho cara de Jeff?!?), chega o jipe com o guia de seu nome James e um grupo de franceses da Córsega que durante toda a excursão não se cansam de falar do fantástico vinho da Córsega, de como tudo na Córsega é fabuloso e de que só é pena irem tantos franceses à Córsega, pois não gostam nada de franceses! Ainda estive para dizer algo como: "Ah, se ao menos a Córsega tivesse produzido algum líder militar que vos tivesse conseguido a independência, sei lá...um Napoleão, vá lá...), mas preferi concentrar-me na tarefa de vislumbrar os ursos locais.

As placas a alertar para a presença de ursos "passam" por nós, pelo que toda a atenção é pouca!




O James explica que nesta zona e época o mais comum são os ursos pretos (que podem ser pretos, castanhos ou cor de canela) e que, caso os avistemos, podemos baixar os vidros do jipe para tirar fotos, mas que sair do carro está fora de questão (Capitão Óbvio sempre presente!).

Subimos por uma estrada que até aos JO 2010 era de terra, mas que tinha sido pavimentada para desagrado das empresas de observação de ursos e dos ursos propriamente ditos! A viagem para cima produz zero observações de ursos, mas antes de voltarmos para baixo paramos nas cascatas de Alexander. 


Recomeçamos a viagem para baixo sempre atentos à floresta que envolve ambas as margens da estrada, mas sem sucesso mais uma vez. Nesta altura, o James anuncia que vamos começar a parte fora de estrada da excursão, pelo que entramos primeiramente numa estrada de terra com pedra, à qual se segue uma de pedra com terra e finalmente uma só de pedras e buracos. Confesso que não esperava que o Land Rover moderninho fosse tão bom trepador, mantendo o grau de conforto possível. Somos abanados, sacudidos e andamos por zonas lindíssimas cheias de vida selvagem (coiotes, águias, esquilos...), mas sem...já adivinharam: ursos!




Há um coiote escondido nesta foto para os mais perspicazes!




Andamos quilómetros e quilómetros por caminhos de cabras sem cabras...nem ursos! O James diz que é azar, de facto, mas que de vez em quando acontece haver uma excursão ou outra sem avistamentos. Que estamos no ínício da época e que daqui a duas ou três semanas a taxa de observação sobe imenso, mas que mesmo assim não se ver um único urso é azar. Preparamo-nos para descer quando de repente...










...continuamos sem ver urso algum! Pronto, já aceitei isto com humor como percebem. O tipo vem para o meio do frio que tanto adora para ver ursos e nada, mas mantém o sentido de humor...é mesmo um tipo impecável, etc e tal....pois! Adiante...

Como sou um tipo persistente para além de impecável, e porque os ursos não são mais teimosos do que eu, inscrevi-me noutra excursão no dia seguinte com partida às 05.50 para os "apanharmos" ao acordar.

No dia seguinte o guia foi o Steve, um escocês de Edimburgo que me disse que tinha sido azar na véspera, mas que de manhã era quase garantido que se via sempre. Como devem calcular, este quase não me tranquilizou.

Desta vez não partilhei a excursão com franceses, mas sim com mexicanos que tinham duas grandes vantagens: aliás três. 1 - Não se gabavam do seu país de origem por razões óbvias; 2 - Mal falavam inglês, pelo que mal falavam; 3 - Sendo seis da manhã, ninguém tem disponibilidade mental para ser muito interactivo, pelo que me posso focar na observação da floresta sem me preocupar em ser educado!

Fazemos exactamente o mesmo percurso da véspera, mas com uma diferença significativa: eu estava irritadiço! Voltei a tirar fotos nos mesmos locais, mas com uma luminosidade diferente e mais as duas que se seguem que não tinha conseguido tirar na véspera.



A meio da viagem, o Steve percebe o meu semblante e diz: you have a bad luck charm, hey? Sorrio com vontade de lhe dizer o que penso sobre a melhor localização para ele colocar um amuleto de boa, má ou média sorte, mas contenho-me, pois afinal sei que estou a lidar com animais selvagens e que eles não estão ali para mim.

Começo a aceitar a ideia de que não é nesta viagem que vou ver ursos quando...



...nada! Continua a não acontecer nada. Desta vez nem coiotes atrás dos arbustos. Aliás, começo a pensar que os ursos são como o Sasquatch, o Bigfoot local. 



Melhor ainda, isto é tudo uma fabulação dos canadianos para me enganarem: das placas aos avisos passando pelos caixotes do lixo anti-urso, isto é tudo uma farsa bem montada para enganar turistas. Não existem ursos no Canadá!!! A não ser os que pagam várias excursões para os ver, bem entendido...

Bem, hora de voltar para a vila de Whistler onde a azáfama dos amantes dos desportos de Inverno, leia-se, dos amantes das fracturas ósseas, está ao rubro! Filas de seres com botas de esqui "caminham" desengonçadamente em direcção ao teleférico que os levará ao cimo da montanha. Eu, do alto da minha ausência de fracturas ósseas, rio-me por dentro das suas figuras.

Bem, nada mais a ver aqui, pelo que se inicia a viagem de regresso a Vancouver com mais umas paragens para bolachas de água e sal, chá e fotografias. 





Sinto-me menos nauseado e em breve creio que serei capaz de comer uma refeição de gente sem ficar cheio como um urso! Como vêem, o sentido de humor não me abandona...ou perto disso....









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