quarta-feira, 1 de maio de 2019

Londres-Vancouver




Embarco numa aeronave particularmente antiga para uma viagem de longo curso. Os monitores do entretenimento parecem tirados de um Atari (os mais novos de vós poderão googlar o que é!, pelo que a qualidade do entretenimento promete!!! Felizmente descarreguei o audiolivro do Orgulho e Preconceito, pelo que estou assegurado para a viagem (cara de satisfaçãozinha).



A meu lado tenho um inglês de origem indiana com o seu filho. Confesso que entre a sua pronúncia e o facto de o indivíduo gostar de vinho tinto (mais à frente volto ao tema), não foi fácil perceber tudo o que me dizia. Meto conversa perguntando se ele já tinha feito esta rota e se sabia quantas refeições quentes serviam durante a mesma. Diz-me que duas, o que me parece razoável, tendo em conta a duração da viagem, pois este corpinho não vive do ar, etc e tal.

Após estarmos a voar há uma hora, servem uns aperitivos, altura em que o meu vizinho pede vinho tinto para acompanhar. Perante duas hipóteses, escolhe o merlot e dá-se por satisfeito. Começa a contar-me que vai para uma festa de casamento em Vancouver e pergunta-me de onde venho. Não se lembra onde é Lisboa, ao que lhe respondo Portugal. Ah, Portugal. Já aí estive duas vezes: em Albufeira! Estive para lhe dizer que isso é igual a dizer que já se esteve em Paris, quando só se foi à Disneylândia, mas prefiro não. Vinha aí uma espectacular explicação para o Brexit!

Pois, diz ele. O meu filho já foi à Madeira há oito anos para ver a loja da irmã do Maradona! Do Maradona, pergunto eu. Não será antes do Cristiano Ronaldo? Ah, pois...isso, confirma-me!  Sim, ainda só ia no primeiro vinho tinto da viagem, mas como já eram 20.00, não sei o que estaria a montante.

- Isto do Brexit é uma chatice, diz-me. Uma grande confusão. Ninguém sabe quando e como. Não se entendem. Eu percebo as pessoas quererem sair da UE.

- Ah, sim? E porque querem elas sair?

- Por causa dos romenos, diz-me ele com cara de constatação do óbvio.

- Dos romenos?

- Sim, sim. Antigamente o leiteiro deixava o leite à porta diariamente e nós deixávamos o dinheiro da despesa semanal debaixo das garrafas vazias ao sábado. Agora já não se pode fazer isso. “Eles” não querem trabalhar. À minha cunhada já lhe assaltaram o carro. “Eles” pedem boleia a velhinhas que, tendo pena deles, dão boleia e, a meio do caminho, pedem para sair e fazem uma emboscada e levam os carros. A minha cunhada tinha um Mercedes novo, parou à porta da garagem na rua, apareceram dois indivíduos com uma faca e levaram o carro.

Nessa altura apetece-me perguntar se os indivíduos foram apanhados e identificados como romenos, mas decido não fazê-lo.

Este discurso é de um inglês de origem indiana sobre romenos, mas pode ser importado para qualquer outro país e contexto, com diferentes intervenientes que a retórica é a mesma. Sinais dos tempos.

Chega a primeira refeição quente e o meu vizinho volta a pedir tinto. O comissário de bordo diz que não tem merlot ali, que tem de ir buscar, ao que o homem lhe responde que não vale a pena e que pode deixar o que tem. Abre o vinho, prova-o e volta a chamar o comissário de bordo.




- Este não presta. Pode trazer-me o merlot?

- Com certeza. Posso levar esta garrafa?

- Sim, sim. Só um momento, diz - enquanto despeja o resto do vinho no seu copo, entregando a garrafa vazia do vinho que não prestava ao comissário. Pode não prestar, mas não se pode desaproveitar!!!

Depois da refeição, decido ouvir o audiolivro, acto que durou 2 minutos. Mas quem é que permite que pessoas com voz de cana rachada leiam para audiolivros?!? Não há condições, pelo que decido apagar o livro todo, fazendo pouco da minha cara de satisfaçãozinha prévia!

O entretenimento a bordo tem vários títulos, embora não assim tantos, pelo que decido ver um filme leve e adequado ao espírito de férias: Mary – Queen of the Scots.

A meio tento dormir um pouco, mas a tentativa revela-se infrutífera. Atrás de mim um outro indivíduo dorme, não parando de me massajar a lombar com os seus joelhos (será que faz domicílios?), o chão onde estou cede um pouco sempre que alguém passa no corredor (a sério!) e o meu vizinho tem de ir reciclar o vinho tinto, pelo que decido deixar-me de mariquices e aceitar o vôo de 9h30 e o jet-lag de oito horas como um homenzinho, permanecendo acordado a viagem toda!




Como temos vento muito forte de cauda até à Gronelândia, a viagem durará somente nove horas. Começo a achar estranho faltarem duas horas para a aterragem e não ser servida a segunda refeição quente. Depois uma hora e meia e eis que faltando 1h15min para a aterragem servem uma meia sandes com um doce. Escusado será dizer que o meu companheiro de viagem voltou a pedir merlot e eu teria ficado com fome, não tivesse pedido uma segunda meia sandes!

Preparo-me para a descida, não sem antes me deliciar com a vista das Rocky Mountains.




Em breve estaria em solo canadiano, na expectativa de ver ursos. Mal sabia eu que não teria de esperar muito para isso...





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