domingo, 21 de agosto de 2016

“Efeito borboleta – versão roedora”, “Há coisas do catano” ou "O Kierkegaard é que a sabia toda"

“Life can only be understood backwards, but it must be lived forwards”. Esta frase de Kierkegaard faz imenso sentido na jornada que hoje em dia percorro na minha vida, mas não fosse um comum rato e nunca a ela teria chegado como cheguei. Esta crónica pode chamar-se “Efeito borboleta – versão roedora”,  “Há coisas do catano!” ou "O Kierkegaard é que a sabia toda". Deixo ao critério de cada um.

Como me considero bom cicerone, e porque queria ver o meu quadro, decidi redescobrir o Museu Nacional de Arte Antiga.

Para minha surpresa está imensamente diferente, com várias exibições temporárias, embora não estivesse lá o tríptico de Bosch, a minha obra preferida do MNAA, o qual está emprestado ao Prado até Outubro. Como cereja no topo do bolo descobri que tem um jardim/restaurante com vista panorâmica para o Tejo a preços módicos e com comida bem confecionada. Perfeito!

Seguidamente revi uns bons amigos meus que estavam de visita curta a Lisboa e que precisavam de uma boleia para o aeroporto, pelo que essa tarde foi passada na melhor das actividades: a ser feliz rodeado por quem me estima!

Entretanto passava das 18h00 e ainda queria mostrar o miradouro de São Pedro de Alcântara pelo que me meti a caminho. Chegado ao Príncipe Real preparo-me para dar voltas e voltas à procura de lugar quando, mesmo na rua principal, está um lugar com o meu nome escrito. Fantástico, penso eu. Isto nunca me aconteceu…boa! Eis se não quando a minha visita diz-me que já conhecia o miradouro, tal como conhecia o meu bar favorito: o Pavilhão Chinês.

O Pavilhão Chinês estava destinado para tomarmos um copo depois do jantar, mas assim sendo decidimos ir jogar snooker no mesmo antes do jantar e depois do jantar logo veríamos. Dito e feito! Como a mesa da direita estava imensamente torta (o que me permitiu brilhar e sacar duas vitórias categóricas!!!), acabámos por jogar só dois jogos nessa mesa, tendo ficado o jogo tira-teimas para quando a outra mesa estivesse livre. Depois de um espanhol se fartar da mesa boa (nem vou falar do desperdício que é para um espanhol ter uma mesa boa), lá jogámos a partida derradeira, pelo que quando saímos do bar eram horas de jantar. O dia corria bem!


Chegámos a uma das melhores casas de petiscos de Lisboa, a qual ainda não foi descoberta pelos camones (tirem o cavalo da chuva se pensam que vos vou dizer o nome da casa), pedi croquetes de alheira, morcela de arroz e peixinhos da horta. Digam lá que não sou um cicerone amiguinho!!! De repente, ia eu a meio de uma dentada na morcela, quando vem o dono (que já me conhece de outras idas ao seu estabelecimento) dizer-me que vão ter de fechar de imediato, que pede imensa desculpa e que a refeição é grátis. Reparo então que um casal que entretanto tinha chegado estava de saída, só restando nós no restaurante.

Nessa altura pergunto-lhe o que se passa e vejo-o ficar meio envergonhado, o que para um senhor na casa dos 60 anos, não deixa de ser peculiar. “Sabe, vimos um rato na cozinha. Não sabemos por onde ele entrou e não quero arriscar, pelo que prefiro fechar já antes que alguém o veja e tenhamos problemas. Tinha a casa cheia com reservas, mas vou ligar a toda a gente a informar que temos de fechar. “

Sabendo eu que o negócio não está fácil digo-lhe que não só não pretendo sair a meio da refeição (levar uma morcela no bolso é chato!), como pretendo terminá-la e pagá-la, com ou sem rato. Se há local que prima pela higiene é esta casa onde a cozinha está à vista e sei bem que aquela atitude honesta lhe vai custar vários dias fechado. Ele lá anui e, após uma bela sobremesa, peço a conta. Que não, que não quer cobrar nada, que já basta o incómodo que nos causou, etc, etc. – Caro amigo, isto é assim: eu rato não vi nenhum. O que eu vi foram uns belos croquetes de alheira, uma esplêndida morcela de arroz, uns crocantes peixinhos da horta e um delicioso pudim, pelo que como o cliente tem sempre razão é favor tirar-me a conta e não se fala mais nisso! E assim o fez…mas contrariado!

Bem, com esta história do ratatouille alfacinha o jantar acabou pouco depois das 21h00, cedo demais para se ir para um bar, pelo que a minha companhia sugeriu irmos ao cinema. Ideia fantástica, penso. Não vou ao cinema há que tempos. Arranco em direcção ao bairro alto, para onde tinha o carro virado, e dou logo com trânsito. Pois, sábado à noite…claro. Decido fazer inversão de marcha e sigo em direcção ao Monumental: era o único cinema onde chegaria a tempo das sessões das 21h30.  Andamento despachado, moeda ao arrumador e já lá estávamos.

Para perceberem o tempo a que não vou ao cinema digo-vos somente que não fazia a mínima ideia de que o monumental não passava filmes mainstream, o que se veio a revelar excelente. Que escolher em dois minutos? O Experimenter foi o filme escolhido, um filme sobre a vida e a obra de Stanley Milgram, um psicólogo experimental que chocou os EUA e me deixou meio angustiado durante o filme com o seu estudo sobre a obediência. Leiam sobre o tema e perceberão a razão da minha angústia e algumas coisas sobre o comportamento humano!

Durante o filme esta frase de Kierkegaard é citada várias vezes e, no seu contexto, justificadamente.
Saio do cinema a pensar nela e como eu a posso começar a aplicar na minha vida e apercebo-me que devo a um rato o facto de a ter ouvido. Errado, eu não devo a um rato. Devo a muito mais, pois se não fosse:

- o facto do Sequeira ter sido colocado no lugar certo;
- o tríptico de Bosch não estar no MNAA, pois com ele lá a visita teria durado mais uns 15min certamente;
- haver um jardim/restaurante no MNAA que nos poupou a deslocação a um restaurante;
- os meus amigos precisarem de estar no aeroporto pelas 18h00;
- ter encontrado um lugar logo à primeira no Príncipe Real,
- a visita já conhecer o miradouro de São Pedro de Alcântara;
- o facto da primeira mesa de snooker estar torta;
- estar um espanhol que nunca mais se despachava na segunda mesa;
- o rato ter entrado no restaurante e o trânsito para o bairro alto estar horrível, eu nunca teria visto este excelente filme, não teria revisitado Kierkegaard e não estaria imbuído deste espírito de renovação.

Se um dia destes alguém vir o rato em questão por aí, agradeça-lhe por mim. Eu estarei ocupado a fazer o meu futuro, mas sem esquecer o meu passado!




sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Vá para fora lá fora...mesmo!

Antes da era da fotografia digital era comum os amigos e familiares que iam de férias voltarem com rolos infindos de material (entre fotos e slides) que, após revelado, era mostrado de modo exaustivo e devidamente acompanhado de explicações sobre os locais e as sensações que tinham vivido.

Confesso que tais sessões eram tidas como reais fretes que fazíamos aos amigos e familiares viajantes, os quais não queriamos melindrar manifestando desinteresse, pelo que aguentávamos estoicamente tais sessões.

Contudo, olhando para trás, percebo que o que norteava essas sessões era o real desejo dos nossos amigos e familiares de partilharem os locais e as vivências, tentanto cativar-nos a visitar os locais que tinham visitado por serem tão agradáveis e fontes de experiências enriquecedoras, ou seja, o objecto das fotos era o destino e o que ele lhes tinha proporcionado, algo que eles queriam partilhar  e que desejavam para nós.

Hoje em dia estamos na era do Instagram/Facebook/etc onde rapidamente colocamos a nossa vida para que os nossos conhecidos, nos quais estarão alguns amigos, dela saibam e, de algum modo, façam parte. Ou não será assim?

Efectivamente, o que se constata é que deixámos de ver fotografias dos destinos, tentativas de captar em foto o que aquele ambiente nos está a transmitir e a cultura que se respira, mas antes fotografias dos amigos nos locais, normalmente em poses que tentam fazer da fotografia algo de original e apelativo, na maioria das vezes sem grande sucesso.

Não sei bem como dizer isto sem parecer indelicado para com os meus amigos e conhecidos, mas o que eu penso disso é o seguinte: o interessante do facto se ter ido a um destino exótico é o destino, não somos nós! O fascinante do Tibete não é o facto de termos lá estado (creio que uns milhões de pessoas por já lá passaram!!!), o fascinante do Tibete é o Tibete. Se nós achamos que ficamos bem em frente a um mosteiro budista, fantástico. Tiramos a foto e guardamos para nós. O mosteiro, isso é que é uma obra de arte e inspiração para reflexão...não nós.

Esta minha reflexão segue-se após uma semana em que estive doente, provavelmente o mais doente que já me senti na vida. Durante esta semana pude reflectir sobre várias coisas e uma delas é a velocidade imensa em que pensamos que vivemos hoje em dia, mas que é falsa na minha opinião. Nós andamos é demasiado focados em nós mesmos para percebermos que o mundo continua a girar à mesma velocidade que sempre girou. Neste frenesim em que nos deixamos levar deixamos de ter disponibilidade mental para percebermos que existe todo um mundo para além de nós, dos nossos interesses, dos nossos objectivos e dos nossos sucessos e fracassos. No fundo, que o mundo não gira à nossa volta!

A maior viagem que fazemos na vida é a nossa viagem interior, é certo, mas ela só poderá levar-nos a um lugar bonito se nos abrirmos ao que nos rodeia, a todo um mundo de locais, culturas, pessoas e pensamentos diferentes dos nossos. Se não o fizermos andaremos em círculos dentro de nós, mesmo que tenhamos umas "selfies" fascinantes!








quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Ansiedades desta vida



Recentemente uma amiga contou-me que estava ansiosa pelo fim-de-semana. O.K., isso está muita gente, eu sei. O facto interessante chega quando ela me diz que a causa da ansiedade era um jogo novo que tinha comprado para a consola. Aí fez-se um curto-circuito nos meus poucos neurónios funcionantes e pensei cá para os meus botões (apesar de estar de t-shirt): o que tu andas a perder neste mundo Paulo Jorge!!! Como me encontro de baixa, comecei logo a pensar se não deveria eu arranjar coisas pelas quais deveria ansiar fazer no fim-de-semana imediatamente após a baixa terminar. Assim, ao género de celebração à grande da minha total recuperação partilho convosco as alternativas que me ocorrem de repente:

1.    Aparar as unhas ao gato da minha vizinha de cima (para esta hipótese terei de arranjar uma vizinha de cima com gato em 48 horas…ou mudar para uma casa que tenha uma incluída no anúncio de aluguer)

2.    Contar as pedras da calçada que faltam no passeio da minha rua e dividir pelo número de cocós por ele espalhados na esperança de que o resultado seja maior do que Pi (sim, isto é para vos fazer pensar sobre se prefiro tropeçar muitas vezes ou borrar os pés…)


3.    Tipificar a orientação solar dos ecopontos da minha freguesia para perceber se eles pagarão mais ou menos IMI que eu


4.    Entrar em vinte autocarros da Carris e chamar o condutor de “Sô Vítor” quando lhe compro o bilhete para posteriormente publicar um estudo sobre a reacção destes indivíduos à troca de nome (nota: chamar Sô Vítor mesmo que seja uma condutora)


5.    Pregar rasteiras a todos os totós que andarem a perseguir Pokemons Go, tirar-lhes o telemóvel e fugir para depois lhes dizer que é para um estudo sobre situações desesperantes na “vida” (nota: levar alguém com uma câmara para filmar tudo!)


Em suma: sim, estou farto de estar em casa a encharcar-me em antibióticos!!!