“Life can
only be understood backwards, but it must be lived forwards”. Esta frase
de Kierkegaard faz imenso sentido na jornada que hoje em dia percorro na minha
vida, mas não fosse um comum rato e nunca a ela teria chegado como cheguei.
Esta crónica pode chamar-se “Efeito borboleta – versão roedora”, “Há coisas do catano!” ou "O Kierkegaard é que a sabia toda". Deixo ao critério de cada um.
Como me considero bom cicerone, e
porque queria ver o meu quadro, decidi redescobrir o Museu Nacional de Arte Antiga.
Para minha surpresa está
imensamente diferente, com várias exibições temporárias, embora não estivesse
lá o tríptico de Bosch, a minha obra preferida do MNAA, o qual está emprestado
ao Prado até Outubro. Como cereja no topo do bolo descobri que tem um
jardim/restaurante com vista panorâmica para o Tejo a preços módicos e com
comida bem confecionada. Perfeito!
Seguidamente revi uns bons amigos
meus que estavam de visita curta a Lisboa e que precisavam de uma boleia para o
aeroporto, pelo que essa tarde foi passada na melhor das actividades: a ser
feliz rodeado por quem me estima!
Entretanto passava das 18h00 e
ainda queria mostrar o miradouro de São Pedro de Alcântara pelo que me meti a
caminho. Chegado ao Príncipe Real preparo-me para dar voltas e voltas à procura
de lugar quando, mesmo na rua principal, está um lugar com o meu nome escrito.
Fantástico, penso eu. Isto nunca me aconteceu…boa! Eis se não quando a minha
visita diz-me que já conhecia o miradouro, tal como conhecia o meu bar favorito:
o Pavilhão Chinês.
O Pavilhão Chinês estava destinado para tomarmos um copo
depois do jantar, mas assim sendo decidimos ir jogar snooker no mesmo antes do
jantar e depois do jantar logo veríamos. Dito e feito! Como a mesa da direita estava
imensamente torta (o que me permitiu brilhar e sacar duas vitórias categóricas!!!),
acabámos por jogar só dois jogos nessa mesa, tendo ficado o jogo tira-teimas para
quando a outra mesa estivesse livre. Depois de um espanhol se fartar da mesa
boa (nem vou falar do desperdício que é para um espanhol ter uma mesa boa), lá
jogámos a partida derradeira, pelo que quando saímos do bar eram horas de jantar. O dia corria bem!
Chegámos a uma das melhores casas
de petiscos de Lisboa, a qual ainda não foi descoberta pelos camones (tirem o cavalo da chuva se pensam que vos vou dizer o nome da casa), pedi croquetes de alheira,
morcela de arroz e peixinhos da horta. Digam lá que não sou um cicerone amiguinho!!! De repente, ia eu a meio de uma dentada na morcela, quando vem o dono (que
já me conhece de outras idas ao seu estabelecimento) dizer-me que vão ter de
fechar de imediato, que pede imensa desculpa e que a refeição é grátis. Reparo
então que um casal que entretanto tinha chegado estava de saída, só restando
nós no restaurante.
Nessa altura pergunto-lhe o que
se passa e vejo-o ficar meio envergonhado, o que para um senhor na casa dos 60
anos, não deixa de ser peculiar. “Sabe, vimos um rato na cozinha. Não sabemos
por onde ele entrou e não quero arriscar, pelo que prefiro fechar já antes que
alguém o veja e tenhamos problemas. Tinha a casa cheia com reservas, mas vou
ligar a toda a gente a informar que temos de fechar. “
Sabendo eu que o negócio não está
fácil digo-lhe que não só não pretendo sair a meio da refeição (levar uma
morcela no bolso é chato!), como pretendo terminá-la e pagá-la, com ou sem
rato. Se há local que prima pela higiene é esta casa onde a cozinha está à
vista e sei bem que aquela atitude honesta lhe vai custar vários dias fechado.
Ele lá anui e, após uma bela sobremesa, peço a conta. Que não, que não quer
cobrar nada, que já basta o incómodo que nos causou, etc, etc. – Caro amigo,
isto é assim: eu rato não vi nenhum. O que eu vi foram uns belos croquetes de
alheira, uma esplêndida morcela de arroz, uns crocantes peixinhos da horta e um
delicioso pudim, pelo que como o cliente tem sempre razão é favor tirar-me a
conta e não se fala mais nisso! E assim o fez…mas contrariado!
Bem, com esta história do
ratatouille alfacinha o jantar acabou pouco depois das 21h00, cedo demais para
se ir para um bar, pelo que a minha companhia sugeriu irmos ao cinema. Ideia
fantástica, penso. Não vou ao cinema há que tempos. Arranco em direcção ao
bairro alto, para onde tinha o carro virado, e dou logo com trânsito. Pois,
sábado à noite…claro. Decido fazer inversão de marcha e sigo em direcção ao
Monumental: era o único cinema onde chegaria a tempo das sessões das 21h30. Andamento despachado, moeda ao arrumador e já
lá estávamos.
Para perceberem o tempo a que não
vou ao cinema digo-vos somente que não fazia a mínima ideia de que o
monumental não passava filmes mainstream, o que se veio a revelar excelente.
Que escolher em dois minutos? O Experimenter foi o filme escolhido, um filme sobre a vida e a obra de
Stanley Milgram, um psicólogo experimental que chocou os EUA e me deixou meio
angustiado durante o filme com o seu estudo sobre a obediência. Leiam sobre o
tema e perceberão a razão da minha angústia e algumas coisas sobre o comportamento humano!
Durante o filme esta frase de
Kierkegaard é citada várias vezes e, no seu contexto, justificadamente.
Saio do cinema a pensar nela e
como eu a posso começar a aplicar na minha vida e apercebo-me que devo a um
rato o facto de a ter ouvido. Errado, eu não devo a um rato. Devo a muito mais,
pois se não fosse:
- o facto do Sequeira ter sido
colocado no lugar certo;
- o tríptico de Bosch não estar
no MNAA, pois com ele lá a visita teria durado mais uns 15min certamente;
- haver um jardim/restaurante no
MNAA que nos poupou a deslocação a um restaurante;
- os meus amigos precisarem de
estar no aeroporto pelas 18h00;
- ter encontrado um lugar logo à
primeira no Príncipe Real,
- a visita já conhecer o miradouro
de São Pedro de Alcântara;
- o facto da primeira mesa de
snooker estar torta;
- estar um espanhol que nunca
mais se despachava na segunda mesa;
- o rato ter entrado no
restaurante e o trânsito para o bairro alto estar horrível, eu nunca teria
visto este excelente filme, não teria revisitado Kierkegaard e não estaria
imbuído deste espírito de renovação.
Se um dia destes alguém vir o
rato em questão por aí, agradeça-lhe por mim. Eu estarei ocupado a fazer o meu futuro, mas sem esquecer o meu passado!
(Uma mesa, ou o que quer que seja...)
ResponderEliminarEsse Kierkegaard é que a sabia toda, mesmo. E encontrar o meio termo e o ponto certo para apanhar balanço para fast forward?
Todas as caminhadas começam pelo primeiro passo, até as corridas :)
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