Acordo ainda extasiado com tudo o que vivi ontem, mas com horários para cumprir, há que despertar e seguir viagem. Mais um fast and furious até à estação de comboios de Samarcanda.
Estação lindíssima, tranquila, com a particularidade de termos de passar a bagagem por controlo de raio-x. Dizem-me que tem a ver com receios de infiltrados que poderão ter passado a fronteira com o Afeganistão.
O comboio chega a horas, é
similar ao nosso Alfa, mas sem o movimento pendular, o que me ajuda a conseguir
ler notas que tinha sobre o próximo destino. Sim, sou aquela pessoa que estuda
antes, durante e depois de vir de um destino!!!
Viagem de 1h30, tranquila, com o serviço de bar sempre a passar…ah, estou a viajar em classe turística/segunda classe, pois os monges nómadas são pobres por natureza!
A paisagem varia entre zona de deserto árido e zona de deserto populacional menos árido. Pontualmente aparece uma casa ou outra, mas nada mais.
Chegado a Bucara, noto de
imediato que o clima é mais seco e quente. De toda a roupa que trouxe para todo
o tipo de climas, roupa fresca é o que menos trouxe…não há-de ser nada!
Após uma negociação rápida de
preço com o taxista começa a viagem relativamente fast e pouco furious até que
de repente faz uma travagem brusca e encosta. Penso que algo se terá passado
com o carro, mas não. O taxista simplesmente viu um amigo e parou para lhe dar
boleia…nada mais simples!
O hotel em que faço check-in é
excelente em termos de localização: mesmo em frente à fortaleza do Emir de
Bucara e com uma decoração lindíssima.
Como já é hora de almoço, o mesmo
decorre num restaurante ao ar livre, mesmo perto de uma mesquita onde se dá a
oração da uma e pouco. A ideia é experimentar o “Plovv” de Bucara, o qual é
supostamente diferente do de Samarcanda.
Aqui tenho o primeiro choque,
fruto da minha ignorância, admito. Estamos em pleno Ramadão, estão a decorrer
as orações e o restaurante está cheio como se nada me passasse.
Tinham-me dito que o Uzbequistão
era um estado laico, mas pensava que fosse mais no papel do que na realidade.
Não, não é. Se é muçulmano, pode jejuar no Ramadão ou não, pode ir às orações
nas mesquitas ou não…não faz dele melhor ou pior muçulmano, explicam-me depois.
Entretanto, chega o Plovv, o qual está muito bom, mas não encontro diferenças entre o de Bucara e o de Samarcanda.
A guia de Bucara (Guljon) chega para começarmos o passeio da tarde. Começamos pela mesquita mesmo em frente ao restaurante. As orações já acabaram, mas por ser Ramadão não podemos entrar, pelo que aprecio a fachada com os seus pilares imensamente trabalhados.
Seguimos para uma estrutura que
era um depósito de água que foi depois convertido para miradouro. O miradouro
tem uma estrutura de ferro bonita, na qual entro e paro na bilheteira. Pago o
bilhete para poder subir e reparo que, para além do elevador, existem umas
escadas em caracol até ao topo. Como gosto de subir escadas (cada maluco com a
sua mania), pergunto quantos degraus tem a escada. Sabem quantos tem? Pois,
ninguém ali presente sabia: nem a minha guia, nem a pessoa que trabalha no
miradouro e cuja única função é estar ali todos os dias. Sim, eu sei, ela está
ali para vender bilhetes, não para contar degraus, mas caneco…uma vida inteira
ali e nunca a criatura teve curiosidade de saber quantos degraus aquilo tem?
Enfim…sigo pelo elevador de qualquer modo, pois aparentemente os turistas têm
de usar o elevador. Consta que uma alemã uma vez caiu nas escadas e partiu algo
(nela, bem entendido) e, a partir daí, nunca mais deixaram os turistas irem
pelas escadas.
Alemães: a estragar a vida a toda
a gente desde sempre!
A vista é bonita e aproveito para me inteirar da distância a que estou de várias cidades do mundo. Lisboa não consta. Não será a primeira vez...
Para além destas áreas visito o pátio onde decorriam recepções a visitantes e onde o Emir se sentava no seu trono.
Nessa altura, aproveito para fazer uma ascenção meteórica na vida e se ontem tinha sido monge nómada, hoje decido passar a Emir, provando que a ascensão social é como o Natal: é quando um Homem quiser!
Imbuído de uma grandeza enorme, a qual quase me dificulta a passagem pelos portões à saída, paro para tirar umas fotos do topo da fortaleza sobre a cidade.
Seguimos depois para a zona histórica onde a principal estrutura é a Praça de Reguistão de Bucara.
Mais uma vez fico parado a
absorver toda a imponência, altura em que reparo que há toda uma beleza mais
crua em Bucara, quando comparada com Samarcanda.
“Bucara é Samarcanda sem
maquilhagem”, dizem-me…e é isso mesmo!
Uma das mesquitas tinha capacidade para 8000 pessoas e tem 280 cúpulas…é extraordinária, de facto…azulejos em relevo, belíssima!
Continuamos até à zona dos artesãos. Relembro que Emir Timur sequestrava os artesãos das cidades que conquistava e trazias-os todos para estas cidades para trabalharem até à sua morte. Nesta zona deparo-me com uma loja onde já há seis gerações se trabalham facas e espadas. O mais novo é o Sardor, o qual me pergunta num inglês bastante razoável de onde sou.
- Portugal? Desta vez a contagem não demorou um segundo…”Cristiano Rounaldo”. Pergunto-lhe se ele quer saber como se diz o nome do CR7 em Português e treinamos um pouco. No final, tiramos a foto para a posteridade, perante o sorriso enternecido do pai. São momentos destes que fazem toda a diferença e sentido para mim nestas viagens!
Continuamos para uma loja de
bordados onde a artesã e o marido gerem um negócio familiar. Explicam-me as
várias combinações de algodão e seda que podem fazer, com as texturas distintas
que daí resultam. Existem peças fantásticas, efectivamente. Confesso que não
resisti a comprar algumas!
Saímos…o dia vai longo e está na
hora de dá-lo por terminado, pelo menos a parte diurna. Sigo para o hotel para
descansar um pouco antes do jantar que tinha sido reservado num restaurante com
ar pouco turístico, mas com uma vista nocturna que não viria a desiludir, mas
sobre toda essa experiência falarei na próxima crónica. Para já, mais um dia
terminado numa das mais belas cidades da Rota da Seda!
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