Após o almoço é hora de apanhar mais um táxi para a estação de comboios, onde voltarei a apanhar o “alfa” para Tasquente, capital do Uzbequistão. A viagem demora 4 horas, tempo suficiente para descansar um pouco, reler algumas notas que tinha trazido e gravar outras.
A chegada faz-se ao final da
tarde/início da noite, pelo que o dia termina com um agradabilíssimo jantar,
seguido de uma experiência única. Pela primeira vez na vida dormi numa cama que
inclinava para um dos lados. Neste caso, para a direita, o que dará aos meus
amigos de esquerda uma excelente oportunidade para fazer umas piadolas fáceis.
Garanto-vos que a sensação de dormir numa cama inclinada é perfeitamente
desconcertante!
Chegada a manhã e a alegria de
não mais dormir naquela cama, está na hora de aproveitar a manhã, único período
para conhecer um pouco da capital. O tempo encontra-se mais nublado e menos
quente que em Bucara.
Tasquente é uma capital em todos
os sentidos: modernidade, trânsito, gente. Aguardo a chegada da Elina, que será
a minha guia para esta manhã. A Elina fala espanhol, estudou espanhol avançado
na universidade, adora espanhol e o seu grande sonho é ir para Espanha. Pondero
se lhe devo dizer que ela vive numa ilusão e que de Espanha nem bons ventos,
nem bons casamentos, mas decido nada lhe dizer. Os sonhos são bonitos, etc e
tal.
O destino da manhã são as mesquitas e madraças de Tasquente, belíssimas na sua imponência, mas sem artesanato algum por perto, sem exploração comercial de qualquer género. Ao chegarmos ao local, constato que, para uma capital, a afluência de turistas é praticamente nula, havendo somente algumas famílias à chegada. Como é uma zona ampla, uma criança brinca com um papagaio de vento, o que dá todo um ar familiar à zona. Faz-vos lembrar algo?
De repente, ocorre um evento que
deixou a Elina muito feliz: um grupo de espanhóis mais o seu guia visitava um
mausoléu! Pergunta-me excitada se eu quero juntar-me ao grupo de espanhóis.
- Não! Não tenho o mínimo
interesse, obrigado.
Engraçado como, mesmo num mausoléu, vinte espanhóis conseguem parecer cem pelo volume sonoro da “caravana”. Bem sei que para os defuntos pouco importa, eu sei. E não, não tirei nenhuma foto aos espanhóis. Se quiserem, há muitas fotos de espanhóis na net…de nada.
Deixamos o mausoléu e seguimos
para o museu do Corão, onde estão traduções para praticamente todas as línguas,
tal como cópias bem antigas. Contudo, a estrela do museu é uma das seis cópias
mandadas fazer pelo terceiro califa dos quatro califas que sucederam a Maomé na
liderança da comunidade islâmica. E aqui está um grande ponto de divisão entre
sunitas e xiitas. Os sunitas reconhecem os quatro califas como legítimos
sucessores de Maomé, enquanto os xiitas só reconhecem o quarto como legítimo
sucessor de Maomé, por ter alegadamente sido apontado como tal pelo profeta.
De qualquer modo, é indiscutível que o terceiro califa, Osman Bin Affan (genro de Maomé), mandou escrever seis cópias do corão e que as mandou espalhar pela região, com o objectivo de proteger as palavras sagradas da destruição, numa época em que as guerras eram muito comuns. Das seis cópias feitas, só esta chegou aos nossos dias, o que prova bem que o terceiro califa tinha razão quanto ao potencial de destruição dos documentos. A autenticidade desta cópia é garantida por ter manchas de sangue do califa em questão, o qual foi morto enquanto o lia. A cópia terá andado pelo actual Iraque, na cidade de Baçorá, de onde terá sido trazida para Samarqanda por Emir Timur quando a conquistou. Com a invasão da zona pelo império russo no séc. XIX, a mesma foi para São Petersburgo, tendo sido enviada então para Tasquente aquando da revolução bolchevique. Como podem ver, é um documento com uma história incrível e, mais que não fosse por esse facto, bem merecedor da visita.
Finalizada esta visita, altura de ir conhecer a Tasquente metropolitana, neste caso subterrânea. O metropolitano de Tasquente foi construído na época soviética (inclusivamente o avô de Elina tem muitas medalhas por lá ter trabalhado), pelo que as estações são obras de arte, tal como o metro de Moscovo, embora com uma rede bem mais pequena, claro: 5 linhas, ao invés das 15 linhas de Moscovo. A visita não desilude!
Aproxima-se a hora de almoço, a fome começa a dar sinais e eu não funciono bem com fome. A caminho do almoço, tempo para atravessarmos um parque onde encontramos arte de rua, divertimentos familiares e uma zona verde bastante simpática, onde me deparo com uma zona de ténis de mesa, onde vários estudantes se divertem na sua hora de almoço.
Antes de chegarmos ao local de almoço, tempo somente para tirar uma foto a uma estátua de Emir Timur, que em Tasquente está a cavalo.
Infelizmente, o tempo não me permite ficar mais tempo em Tasquente, pelo que me despeço da Elina e faço-me à estrada para a fronteira com o Tajiquistão, em direcção a Cujande, segunda maior cidade do país, despedindo-me deste modo do Uzbequistão e das três cidades da rota da seda que visitei. Confesso que ainda não processei tudo o que vivi no Uzbequistão, mas sei que estou infinitamente grato por todas as vivências e ensinamentos. E essa sensação é fantástica!
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