sábado, 1 de outubro de 2016

História para crianças felizes

Aconteceu no outro dia percorrer a rotunda do Marquês de Pombal com a minha filha pela primeira vez, pelo que a curiosidade infantil foi imediatamente despertada perante tão imponente estátua. Partilho convosco o diálogo que se seguiu:

- Que grande estátua pai!

- Pois é filha, é de um senhor chamado Marquês de Pombal.

- Ele tem um leão ao lado dele! Ele era do Sporting?

- Nada disso filha. Alguém do Sporting nunca teria uma estátua tão grande. Ele era do Benfica claro!

- Então porque tem um leão?

- Ora, porque as águias voam muito alto e nunca ficam paradas, por isso quando ele foi pousar para a estátua teve de usar um animal mais fácil de domar. Teve de se contentar com um leão!

- Aaaahhh!

- E como ele era do Benfica, sempre que o Benfica é campeão, os benfiquistas vêm festejar aqui para a rotunda para ao pé dele. Fica um mar vermelho do Benfica…é uma festa muito bonita!

- Aaaaahhh! E onde é que o Sporting faz a festa quando é campeão pai?

- Ninguém sabe filha…foi há tanto tempo que já ninguém se lembra!

- Pois…


E assim se completou a primeira lição de História sobre o Marquês de Pombal. É claro que lhe poderia ter contado do terramoto, do maremoto, da reconstrução da baixa pombalina, da expulsão dos judeus, etc., etc., mas isso vem em qualquer livro, pelo que prefiro que ela se lembre para sempre desta versão. Pode não ser a mais isenta, mas será certamente uma versão da qual ela nunca mais se esquecerá!



domingo, 21 de agosto de 2016

“Efeito borboleta – versão roedora”, “Há coisas do catano” ou "O Kierkegaard é que a sabia toda"

“Life can only be understood backwards, but it must be lived forwards”. Esta frase de Kierkegaard faz imenso sentido na jornada que hoje em dia percorro na minha vida, mas não fosse um comum rato e nunca a ela teria chegado como cheguei. Esta crónica pode chamar-se “Efeito borboleta – versão roedora”,  “Há coisas do catano!” ou "O Kierkegaard é que a sabia toda". Deixo ao critério de cada um.

Como me considero bom cicerone, e porque queria ver o meu quadro, decidi redescobrir o Museu Nacional de Arte Antiga.

Para minha surpresa está imensamente diferente, com várias exibições temporárias, embora não estivesse lá o tríptico de Bosch, a minha obra preferida do MNAA, o qual está emprestado ao Prado até Outubro. Como cereja no topo do bolo descobri que tem um jardim/restaurante com vista panorâmica para o Tejo a preços módicos e com comida bem confecionada. Perfeito!

Seguidamente revi uns bons amigos meus que estavam de visita curta a Lisboa e que precisavam de uma boleia para o aeroporto, pelo que essa tarde foi passada na melhor das actividades: a ser feliz rodeado por quem me estima!

Entretanto passava das 18h00 e ainda queria mostrar o miradouro de São Pedro de Alcântara pelo que me meti a caminho. Chegado ao Príncipe Real preparo-me para dar voltas e voltas à procura de lugar quando, mesmo na rua principal, está um lugar com o meu nome escrito. Fantástico, penso eu. Isto nunca me aconteceu…boa! Eis se não quando a minha visita diz-me que já conhecia o miradouro, tal como conhecia o meu bar favorito: o Pavilhão Chinês.

O Pavilhão Chinês estava destinado para tomarmos um copo depois do jantar, mas assim sendo decidimos ir jogar snooker no mesmo antes do jantar e depois do jantar logo veríamos. Dito e feito! Como a mesa da direita estava imensamente torta (o que me permitiu brilhar e sacar duas vitórias categóricas!!!), acabámos por jogar só dois jogos nessa mesa, tendo ficado o jogo tira-teimas para quando a outra mesa estivesse livre. Depois de um espanhol se fartar da mesa boa (nem vou falar do desperdício que é para um espanhol ter uma mesa boa), lá jogámos a partida derradeira, pelo que quando saímos do bar eram horas de jantar. O dia corria bem!


Chegámos a uma das melhores casas de petiscos de Lisboa, a qual ainda não foi descoberta pelos camones (tirem o cavalo da chuva se pensam que vos vou dizer o nome da casa), pedi croquetes de alheira, morcela de arroz e peixinhos da horta. Digam lá que não sou um cicerone amiguinho!!! De repente, ia eu a meio de uma dentada na morcela, quando vem o dono (que já me conhece de outras idas ao seu estabelecimento) dizer-me que vão ter de fechar de imediato, que pede imensa desculpa e que a refeição é grátis. Reparo então que um casal que entretanto tinha chegado estava de saída, só restando nós no restaurante.

Nessa altura pergunto-lhe o que se passa e vejo-o ficar meio envergonhado, o que para um senhor na casa dos 60 anos, não deixa de ser peculiar. “Sabe, vimos um rato na cozinha. Não sabemos por onde ele entrou e não quero arriscar, pelo que prefiro fechar já antes que alguém o veja e tenhamos problemas. Tinha a casa cheia com reservas, mas vou ligar a toda a gente a informar que temos de fechar. “

Sabendo eu que o negócio não está fácil digo-lhe que não só não pretendo sair a meio da refeição (levar uma morcela no bolso é chato!), como pretendo terminá-la e pagá-la, com ou sem rato. Se há local que prima pela higiene é esta casa onde a cozinha está à vista e sei bem que aquela atitude honesta lhe vai custar vários dias fechado. Ele lá anui e, após uma bela sobremesa, peço a conta. Que não, que não quer cobrar nada, que já basta o incómodo que nos causou, etc, etc. – Caro amigo, isto é assim: eu rato não vi nenhum. O que eu vi foram uns belos croquetes de alheira, uma esplêndida morcela de arroz, uns crocantes peixinhos da horta e um delicioso pudim, pelo que como o cliente tem sempre razão é favor tirar-me a conta e não se fala mais nisso! E assim o fez…mas contrariado!

Bem, com esta história do ratatouille alfacinha o jantar acabou pouco depois das 21h00, cedo demais para se ir para um bar, pelo que a minha companhia sugeriu irmos ao cinema. Ideia fantástica, penso. Não vou ao cinema há que tempos. Arranco em direcção ao bairro alto, para onde tinha o carro virado, e dou logo com trânsito. Pois, sábado à noite…claro. Decido fazer inversão de marcha e sigo em direcção ao Monumental: era o único cinema onde chegaria a tempo das sessões das 21h30.  Andamento despachado, moeda ao arrumador e já lá estávamos.

Para perceberem o tempo a que não vou ao cinema digo-vos somente que não fazia a mínima ideia de que o monumental não passava filmes mainstream, o que se veio a revelar excelente. Que escolher em dois minutos? O Experimenter foi o filme escolhido, um filme sobre a vida e a obra de Stanley Milgram, um psicólogo experimental que chocou os EUA e me deixou meio angustiado durante o filme com o seu estudo sobre a obediência. Leiam sobre o tema e perceberão a razão da minha angústia e algumas coisas sobre o comportamento humano!

Durante o filme esta frase de Kierkegaard é citada várias vezes e, no seu contexto, justificadamente.
Saio do cinema a pensar nela e como eu a posso começar a aplicar na minha vida e apercebo-me que devo a um rato o facto de a ter ouvido. Errado, eu não devo a um rato. Devo a muito mais, pois se não fosse:

- o facto do Sequeira ter sido colocado no lugar certo;
- o tríptico de Bosch não estar no MNAA, pois com ele lá a visita teria durado mais uns 15min certamente;
- haver um jardim/restaurante no MNAA que nos poupou a deslocação a um restaurante;
- os meus amigos precisarem de estar no aeroporto pelas 18h00;
- ter encontrado um lugar logo à primeira no Príncipe Real,
- a visita já conhecer o miradouro de São Pedro de Alcântara;
- o facto da primeira mesa de snooker estar torta;
- estar um espanhol que nunca mais se despachava na segunda mesa;
- o rato ter entrado no restaurante e o trânsito para o bairro alto estar horrível, eu nunca teria visto este excelente filme, não teria revisitado Kierkegaard e não estaria imbuído deste espírito de renovação.

Se um dia destes alguém vir o rato em questão por aí, agradeça-lhe por mim. Eu estarei ocupado a fazer o meu futuro, mas sem esquecer o meu passado!




sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Vá para fora lá fora...mesmo!

Antes da era da fotografia digital era comum os amigos e familiares que iam de férias voltarem com rolos infindos de material (entre fotos e slides) que, após revelado, era mostrado de modo exaustivo e devidamente acompanhado de explicações sobre os locais e as sensações que tinham vivido.

Confesso que tais sessões eram tidas como reais fretes que fazíamos aos amigos e familiares viajantes, os quais não queriamos melindrar manifestando desinteresse, pelo que aguentávamos estoicamente tais sessões.

Contudo, olhando para trás, percebo que o que norteava essas sessões era o real desejo dos nossos amigos e familiares de partilharem os locais e as vivências, tentanto cativar-nos a visitar os locais que tinham visitado por serem tão agradáveis e fontes de experiências enriquecedoras, ou seja, o objecto das fotos era o destino e o que ele lhes tinha proporcionado, algo que eles queriam partilhar  e que desejavam para nós.

Hoje em dia estamos na era do Instagram/Facebook/etc onde rapidamente colocamos a nossa vida para que os nossos conhecidos, nos quais estarão alguns amigos, dela saibam e, de algum modo, façam parte. Ou não será assim?

Efectivamente, o que se constata é que deixámos de ver fotografias dos destinos, tentativas de captar em foto o que aquele ambiente nos está a transmitir e a cultura que se respira, mas antes fotografias dos amigos nos locais, normalmente em poses que tentam fazer da fotografia algo de original e apelativo, na maioria das vezes sem grande sucesso.

Não sei bem como dizer isto sem parecer indelicado para com os meus amigos e conhecidos, mas o que eu penso disso é o seguinte: o interessante do facto se ter ido a um destino exótico é o destino, não somos nós! O fascinante do Tibete não é o facto de termos lá estado (creio que uns milhões de pessoas por já lá passaram!!!), o fascinante do Tibete é o Tibete. Se nós achamos que ficamos bem em frente a um mosteiro budista, fantástico. Tiramos a foto e guardamos para nós. O mosteiro, isso é que é uma obra de arte e inspiração para reflexão...não nós.

Esta minha reflexão segue-se após uma semana em que estive doente, provavelmente o mais doente que já me senti na vida. Durante esta semana pude reflectir sobre várias coisas e uma delas é a velocidade imensa em que pensamos que vivemos hoje em dia, mas que é falsa na minha opinião. Nós andamos é demasiado focados em nós mesmos para percebermos que o mundo continua a girar à mesma velocidade que sempre girou. Neste frenesim em que nos deixamos levar deixamos de ter disponibilidade mental para percebermos que existe todo um mundo para além de nós, dos nossos interesses, dos nossos objectivos e dos nossos sucessos e fracassos. No fundo, que o mundo não gira à nossa volta!

A maior viagem que fazemos na vida é a nossa viagem interior, é certo, mas ela só poderá levar-nos a um lugar bonito se nos abrirmos ao que nos rodeia, a todo um mundo de locais, culturas, pessoas e pensamentos diferentes dos nossos. Se não o fizermos andaremos em círculos dentro de nós, mesmo que tenhamos umas "selfies" fascinantes!








quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Ansiedades desta vida



Recentemente uma amiga contou-me que estava ansiosa pelo fim-de-semana. O.K., isso está muita gente, eu sei. O facto interessante chega quando ela me diz que a causa da ansiedade era um jogo novo que tinha comprado para a consola. Aí fez-se um curto-circuito nos meus poucos neurónios funcionantes e pensei cá para os meus botões (apesar de estar de t-shirt): o que tu andas a perder neste mundo Paulo Jorge!!! Como me encontro de baixa, comecei logo a pensar se não deveria eu arranjar coisas pelas quais deveria ansiar fazer no fim-de-semana imediatamente após a baixa terminar. Assim, ao género de celebração à grande da minha total recuperação partilho convosco as alternativas que me ocorrem de repente:

1.    Aparar as unhas ao gato da minha vizinha de cima (para esta hipótese terei de arranjar uma vizinha de cima com gato em 48 horas…ou mudar para uma casa que tenha uma incluída no anúncio de aluguer)

2.    Contar as pedras da calçada que faltam no passeio da minha rua e dividir pelo número de cocós por ele espalhados na esperança de que o resultado seja maior do que Pi (sim, isto é para vos fazer pensar sobre se prefiro tropeçar muitas vezes ou borrar os pés…)


3.    Tipificar a orientação solar dos ecopontos da minha freguesia para perceber se eles pagarão mais ou menos IMI que eu


4.    Entrar em vinte autocarros da Carris e chamar o condutor de “Sô Vítor” quando lhe compro o bilhete para posteriormente publicar um estudo sobre a reacção destes indivíduos à troca de nome (nota: chamar Sô Vítor mesmo que seja uma condutora)


5.    Pregar rasteiras a todos os totós que andarem a perseguir Pokemons Go, tirar-lhes o telemóvel e fugir para depois lhes dizer que é para um estudo sobre situações desesperantes na “vida” (nota: levar alguém com uma câmara para filmar tudo!)


Em suma: sim, estou farto de estar em casa a encharcar-me em antibióticos!!!




sábado, 23 de julho de 2016

Anda fazer uma viagem no tempo comigo, anda...

Vejo-te ao longe e penso para mim: como és bonita. Por onde andaste tu? Dizem que o tempo por ti não passa. Eu acho que estão errados. O tempo não somente passa por ti, como te leva com ele: devagar, apreciando-te e moldando-te a seu jeito. Quem por ti souber esperar, como se espera pelo evaporar do orvalho da manhã, renascerá como a flor que se abre aos primeiros raios de luz, aquecida por algo de transcendente como só o teu calor é comparável.

Não acredito em prazeres rápidos. Ou melhor, eles existem, mas são fugazes e deixam atrás de si um vazio do tamanho do tempo que lhes escapou. Contigo tudo é lento, desde o sorriso que já aprendi a pressentir, ao aceno com que te despedes sem um gesto fazeres. Nesse aceno idealizado sopras-me um beijo e, com ele, apertas-me o coração para nunca mais o largares. Ele é teu como dele eu sou e ambos somos do tempo que nos foge.

Sinto-te fugir…a ti…tempo que comigo brincas num jogo de apanhada invertido, em que começamos apanhados, para de ti fugirmos. E tu? Queres vir comigo fugir do tempo que nos foge e nos persegue ou estamos condenados a por ele sermos feitos joguetes no jogo da nossa vida?

Gostava de ser como tu, que vives numa perenidade etérea como se o amanhã fosse um dia longínquo, como se o devir mais não fosse que algo pelo qual se pode esperar eternamente.

Eu, que me sentia tão vivo até tu chegares, sinto-me congelado de emoção, suspenso no tempo em que vives, um tempo tão teu que nem o tempo o consegue contar.

Seremos as pessoas certas na altura errada ou tão somente dois comboios que circulam em linhas temporais paralelas destinadas a nunca se cruzarem?


Gostaria de ter-te como o tempo te tem: integral e completamente, com todo o tempo no mundo que só o tempo tem.  E tu? Que queres? Dá-me a tua mão, dá. Caminharemos de mãos dadas com ele, sem precisarmos de fugir ou apanhá-lo, pois ele será nosso como nós seremos um do outro...



terça-feira, 21 de junho de 2016

Retalhos da vida de um médico



Existem imensos motivos de consulta, dos mais complexos aos mais simples de resolver. Partilho hoje um dos mais interessantes inícios de consulta a que já assisti:

- Bom dia!

- Bom dia! (com cara de poucos amigos)

- Então como está a Carla (nome fictício) desde a última consulta?

- A Carla está na mesma...ou pior!!! (dito com cara de ainda menos amigos)

- Hum...tomou o que lhe passei da última vez? (há 2 meses atrás)

- Não!

- Então porquê?

- Porque perdi a receita!

- Ah...


sexta-feira, 10 de junho de 2016

It's a beautiful day

Acordo irritado por não conseguir dormir mais num feriado (apesar de ir fazer 12h de urgência mais tarde) e decido "organizar" a casa começando por apanhar do estendal o edredão que tinha lavado ontem à noite.
Assim que abro o cortinado um vazio: o estendal dá-me os bons dias completamente nú. Edredão nem vê-lo. Raios partam!!! Pus 6 molas no edredão e fi-lo passar por 2 arames!!!
Calço-me a correr (sim, sei que isto é literalmente impossível!) e desço as escadas na esperança de encontrar o edredão num canto ou até dentro das escadas recolhido por algum vizinho consciencioso. Nada!
Bolas! Era um edredão novo, penso. Antes de abrir a porta do prédio e entrar conformado com a perda decido ir ao café que fica duas portas ao lado perguntar à rapariga que lá trabalha (e que já uma vez tinha ficado com uma encomenda minha sem que eu sequer lhe tivesse pedido e sem que nunca lá tenha gasto um cêntimo) se, por acaso, alguém tinha visto um edredão perdido.

Diz-me que sim, que está dentro do prédio ao lado do meu e, enquanto serve o pequeno-almoço a uns clientes, empresta-me a chave do prédio em questão para que eu vá buscar o edredão.
Afinal o dia nem começou assim tão mal, pois não? :)


quarta-feira, 8 de junho de 2016

O sentido da alma ou a alma sentida



Acabo de ver um episódio de Through the Wormhole com Morgan Freeman. O tema é a consciência/alma. Vários cientistas falam sobre as suas teorias e experiências.

A primeira apresentada é a teoria quântica que defende que até no vazio existe conhecimento, que dentro dos nossos cérebros existem micro-túbulos que permitem a ligação entre neurónios que não estão directamente ligados por sinapses. Para os seguidores desta teoria a alma existe para além do cérebro, pois a informação do que somos pode ser transmitida para fora do nosso corpo, mesmo no vazio, pelo que quando morremos não deixaremos de existir. A informação do que somos e sabemos é que poderá ser “espalhada” pelo Universo.

A segunda teoria afirma que a nossa consciência é um processo construtivo que acompanha o desenvolvimento do cérebro desde o nosso nascimento até ao expoente máximo do nosso conhecimento. Do mesmo modo que a consciência e alma se constroem com o conhecimento e a sabedoria que adquirimos ao longo do tempo, também se dissipa quando perdemos capacidades intelectuais, sendo a situação limite o estado demencial avançado em que, segundo os autores da teoria, a alma já lá não mora, pois a consciência deixou de existir. Não é difícil perceber que, segundo esta teoria, a alma desaparece imediatamente com a morte. Após esse segundo os nossos amigos deixam de existir, o mundo que conhecemos deixa de existir, os nossos afectos deixam de existir, nós deixamos de existir. Ponto final!

A terceira teoria é uma teoria relacional na medida em que nós somos o resultado das interacções ao longo da nossa vida: de eventos e de pessoas. A nossa alma encontra-se espalhada por todos com que contactámos, tal como cada um dos outros se encontra em nós. Obviamente que quanto mais próximos de nós, mais nossos serão e vice-versa. Creio que é pacífica a ideia de que estaremos vivos enquanto os que nos amaram se lembrarem de nós, mas essa perpetuação da alma é de curta duração geracional. Ou não será? Será que quando sentimos a angústia ou a tristeza em Chopin não lhe estamos a conhecer estados de alma? E a euforia em Beethoven? E a ira em Wagner? Será a arte, a criação artística, uma forma de perpetuarmos a nossa alma? Fazer um filho, escrever um livro e plantar uma árvore (metaforicamente falando) serão a única maneira de sermos perpétuos?
O programa acaba com a ideia de que todos descobriremos em último caso se a nossa alma sobrevive ao nosso corpo. Creio que quem escreveu esta última parte do guião não percebeu bem a segunda teoria dita materialista: ao morrermos nem tempo teremos para percebermos isso: simplesmente já não seremos.

É claro que sendo humanos temos esperança. A esperança é a maneira que temos de não desesperarmos e entrarmos em profunda depressão. Se já assim a Humanidade anda encharcada em anti-depressivos, sem esperança já nos tínhamos extinguido. Quando o conhecimento científico não nos fornece a resposta mudamos a nossa agulha da esperança do que sabemos para aquilo em que acreditamos. E acreditar é algo que todos fazemos por absoluta necessidade num momento ou noutro das nossas vidas. A questão é se também o faremos na nossa morte: acreditar!

E tudo isto porquê? Por nada e por tudo. Ao chegar a casa hoje, cansado e meio saturado, dou por mim a cozinhar ao som de Simply Red. Uma canção diz: “You’re so beautiful but oh so boring!” Não deixo de sorrir ao ouvir a letra e uma sensação de felicidade pura e conceptual invade-me sem saber bem porquê. Que alma é esta que me tocou de maneira tão primária? A música em si não está ligada a nenhuma fase da minha vida que me faça recordar essa alegria, mesmo que inconscientemente, ou assim penso. A letra é engraçada, mas não o suficiente para me provocar essa sensação, pelo que a resposta deverá estar algures dentro de mim. Ser simplesmente pode deixar-nos profundamente felizes? Estarmos bem em nós e connosco num momento de recolhimento caseiro (a fazer comida, algo tão básico e essencial!) enquanto ouvimos uma música pode proporcionar uma felicidade assim tão intensa? Aparentemente a resposta é sim!

Para ser eu, para estar feliz, para ter a alma prenha de alegria bastou libertar-me de tudo o que existe de concreto no mundo e existir simplesmente. Se posso ser profundamente alegre sem razão para tal, se não pela razão da minha existência despojada de estímulos exteriores, então a minha alma existe para além deste momento e para além deste corpo, pois a felicidade é um estado da mesma e, onde há um estado de algo, esse algo conceptualmente existe.


É nisto que eu acredito hoje e agora, pois sinto a minha alma. Amanhã será outro dia…para mim, para ti que lês este texto e para o Universo. Como diria o Raúl Solnado: façam o favor de ser felizes, ao que eu acrescento: façam o favor de ser felizes os três!!!

domingo, 10 de abril de 2016

Protecção, Exposição, Inclusão, Exclusão ou talvez não...



Recentemente chegou ao meu conhecimento um livro sobre violência doméstica onde no preâmbulo a autora diz que este crime não tem sexo, ou seja, ambos os sexos podem ser vítimas. Contudo, após esta introdução, passa a usar constantemente a figura da mulher como vítima e do marido como agressor. Após ter lido o livro em questão, comecei a notar então que sempre que se fala de violência doméstica nos meios de comunicação social a linguagem é a mesma. Isto fez-me pensar que algo está muito mal nesta abordagem, e por vários motivos.

Em primeiro lugar, porque começa logo por esquecer as relações homossexuais onde a violência doméstica é, no mínimo, igual à das relações heterossexuais, se não superior (http://www.northwestern.edu/newscenter/stories/2014/09/domestic-violence-likely-more-frequent-for-same-sex-couples.html).

Em segundo lugar, porque cria um estigma sobre os homens que sofrem deste tipo de abuso, que, como sabemos, não é somente físico. Um homem nesta situação não se revê nas mensagens de apoio à vítima que por aí grassam (façam uma pesquisa no Google por violência doméstica e vejam que imagens estão associadas). É também precisa uma grande dose de coragem para se ir a uma esquadra referir que se é vítima de violência doméstica sendo mulher. Sendo homem é preciso uma dupla coragem, pois o medo de se ser gozado por não se ser homem o suficiente não deixará de estar presente. Sim, porque no inconsciente de todos nós essa imagem é transmitida ao fazer sempre do homem agressor e da mulher vítima. Estar no “outro papel” passa a não ser suposto!

Falei de duas minorias: a dos homossexuais e a dos homens heterossexuais vítimas de violência doméstica. Ao fazerem-se somente campanhas para se defender/apoiar/proteger um tipo de vítimas está-se, no fundo, e a meu ver, a promover os crimes sobre todos os outros. Como se um crime de discriminação sobre um "preto" fosse pior/diferente do que sobre um "gordo" ou sobre um "caixa-de-óculos".

Todos os crimes são crimes, ponto. Todas as intolerâncias à diferença, as faltas de respeito sobre os indivíduos são iguais. Não há nenhuma minoria que precise de ser defendida: porque o mesmo indivíduo faz parte de uma minoria para alguns crimes, mas fará parte de uma maioria para outro. Mil e uma associações de protecção àquela e à outra minoria são a estratégia errada no combate a tudo o que queremos erradicar da sociedade.

O que precisamos neste mundo é de incutir respeito pela diferença, valorização da mesma. Não defendermos esta ou aquela minoria, mas antes celebrarmos todo e qualquer ser humano, pois todos somos minoria e maioria.



Enquanto biólogo falo muitas vezes sobre a importância da preservação da biodiversidade e de como ela é fundamental para o nosso planeta. Creio que há algo que está muito em falta no ensino que temos hoje em dia: o ensino da valorização da “antropodiversidade”. Sem esse trabalho feito logo na raíz da construção do indivíduo, tudo o resto serão pensos rápidos numa ferida profunda.

Como diria o Professor Von Vollensteen em The Power of One: “Inclusion, not exclusion, is the key to survival!".