sexta-feira, 22 de abril de 2022

Dia 8 de manhã - Samarcanda - Um molho de notas e Emir Timur

Hoje o dia começa às 09.30, hora a que me encontro com o Lochin, guia na cidade de Samarcanda, cidade com uma história riquíssima, parte da Rota da Seda.

Se o cansaço da véspera não foi todo dissipado pela (curta) noite de descanso, a perspectiva de não me sentar num jipe durante uns dias anima-me. Por estes dias só andarei de táxi, a pé e de comboio. Bem menos cansativo, não vos parece? Pois, obviamente que não…era só pensamento mágico mesmo!

Como estou no Uzbequistão, tenho de ir trocar alguns dos dólares que levei por Som, a moeda local.

O Lochin acompanha-me ao banco, onde tiramos uma senha e esperamos. Chegada a minha vez, vejo a cotação…ena…tanto? Pois bem, após ter trocado 200$, recebo literalmente uma pilha de massa: cerca de 2 milhões e tal de Soms.


Escusado será dizer que não há carteira que comporte tal coisa, pelo que passei a parecer um traficante sempre que queria comprar algo!

- Oh, isto não é nada. Antigamente, antes da reformulação da moeda local, as pessoas tinham de trazer um carro carregado de sacos de notas para comprar um carro!

Fico a pensar como as pessoas fariam para comprar o seu primeiro carro e decido não perguntar.

Seguimos para a praça de Emir Timur (Timerlão em Português), governante de uma área significativa da Ásia  no século XIV (da actual Turquia à Ìndia e Rússia). Em Samarcanda está uma das três estátuas dele no Uzbequistão. Como belo mongol que era, era extremamente brutal nas suas campanhas militares, mas também um excelente estratega. Consta que usava xadrez para criar novas estratégias. Quem quiser ler um pouco sobre ele como eu fiz, descobrirá atrocidades monstruosas que contrastam enormemente com a beleza e paz do seu mausoléu!

Apreciador de poesia, filosofia e artes, poupava os melhores artesãos dos territórios que conquistava, deportando-os para Samarcanda, onde ficavam confinados a trabalhar até ao final dos seus dias. Samarcanda tem tanto de belo, como de brutal na génese das suas belezas. O Império Timúrida não resistiu à sua morte.


Daqui partimos para o seu mausoléu, que fica perto. Ao chegarmos ao museu grande azáfama: várias escolas estão a visitar o complexo, pelo que a alegria é notória e audível. Muitas crianças vestidas com trajes tradicionais e alguns rapazes com barbas pintadas, imagino que imitando o “visitado”.


O primeiro pormenor que me chama a atenção é uma das portas, profusamente trabalhada e lindíssima.

O mausoléu foi mandado construir dois anos antes da sua morte para o seu neto que faleceu. Seria o seu herdeiro ao trono, pois dos quatro filhos, dois tinham morrido, um tinha ficado aleijado na sequência de um acidente a cavalo e o quarto era religioso e com pouca propensão para assuntos de estado. O mausoléu demorou vinte anos a ser construído, pelo que nunca chegou a ver a sua obra concluída.

Nele repousam o Emir, o referido neto e dois filhos, para além de outros membros da família.


É um edifício efectivamente belíssimo!



Seguidamente dirigimo-nos para a Praça de Reguistão, que fica igualmente perto, altura em que o Lochin sugere que, se é para experimentar o “plov” local, se calhar devemos ir já, pois temos de apanhar um táxi para os subúrbios, onde o “plov” é melhor.

Nova aventura num “fast and furious” Chevrolet local e chegamos ao restaurante fantástico que está fechado ao almoço por ser Ramadão! Nesta altura o Lochin fica desapontado e decide perguntar a um velhote que nos observava se existe algum outro sítio por perto. Felizmente, havia.

O “plov” é um prato à base de arroz e legumes acompanhado de ovos de codorniz e borrego, havendo toda uma panóplia de acompanhamentos com que podemos misturar o dito cujo. O resultado: não voltou nada para trás!


Agora sim, estamos prontos para a Praça de Reguistão!

  

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Dia 7 - Dos Sete Lagos a Samarcanda - passagem da fronteira Sarazm-Jartepa - 100km

 Depois da experiência tremenda dos sete lagos, dirigimo-nos para a fronteira. A noite já caiu e não sei bem o que esperar desta fronteira, efectivamente.

O preço a pagar por tantas paragens é alto: Sarazm, património mundial da UNESCO datada de 1500 A.C., não poderá ser visitada e, mesmo a chegada a Samarcanda, será feita bem mais tarde do que o esperado.

Com estes pensamentos chego à fronteira com o Uzbequistão. Como devem compreender, não foi possível tirar fotos na fronteira por questões de segurança.

O Alishir está em jejum por causa do Ramadão. Até às 19.05 não pode levar nada à boca e nós andámos todo o dia em viagem por sítios cheios de pó, secos, áridos, quentes. Mal o relógio marca 19.05 ele leva a garrafa de água à boca exasperado.

Vários camiões encontram-se parados à beira da estrada. Perante eles um portão de ferro fechado. Fechado? Mas esta fronteira não é suposto estar aberta 24h por dia?

Dois miúdos (jovens adultos) fardados encontram-se encostados à casota. Dirigimo-nos a eles e dizemos que vimos atravessar a fronteira a pé. O Alishir e o seu jipe ficarão no Tajiquistão, apanhando-me depois noutra fronteira a norte quando regressar, após alguns dias, de Tasquente, capital do Uzbequistão.

- Agora não dá para atravessar. Estão a jantar.

Imediatamente, lembro-me da história do Raúl Solnado que tinha chegado à guerra logo pela manhãzinha, mas que tinha dado com os portões da guerra fechados, pois só começava às nove. Tento não me rir…creio que o cansaço ajudou em tal tarefa!

O Sr. Sadullo, responsável pela empresa que me está a guiar por estas terras, diz aos miúdos: - Isso não pode ser. Este senhor veio da Europa para entrar no Uzbequistão e não vai ficar aqui a aguardar de pé enquanto jantam.

Os miúdos falam algo pelo rádio, vindo seguidamente a resposta: 10 minutos e alguém estará aqui, dizem.

Penso para mim que não sei o que seria preferível: esperar uma hora ou ter um oficial de fronteira irritado por ter sido interrompido no seu jantar. Especialmente se ele estiver a jejuar. Bem, será o que for.

Passados nem dez minutos, chega. Relativamente novo, dá-me instruções para passar o portão de ferro que os miúdos abrem.

Pede-me o passaporte num inglês correcto e diz: Ah, Portugali…pausa de três segundos e depois…Cristiano Rounaldo!!! Sim, por aqui dizem à inglesa: Rounaldo!

Efectivamente, sempre que me perguntam de onde sou, quase invariavelmente a reacção é a mesma, ao ponto de eu já fazer uma contagem decrescente sempre que dizia que era de Portugal: 3, 2, 1…Cristiano Rounaldo!!!

E invariavelmente segue-se sempre um enorme sorriso. Se dúvidas havia da importância do futebol no mundo enquanto meio de contacto entre povos, este e outros exemplos creio que são claros a desfazê-los.

O oficial de fronteira do Tajiquistão não é excepção. Coloca um grande sorriso (sim, por estas bandas máscaras é coisa que só se vêem em clínicas e afins) e diz-me: sou grande fã da vossa selecção nacional, espero que ganhem agora no Catar no campeonato do mundo.

É de noite, estou na fronteira entre o Tajiquistão e o Uzbequistão, com algum receio do que poderia ser este atravessar da fronteira perante as circunstâncias e oiço estas palavras. Confesso que fiquei estupefacto e sensibilizado.

- Será difícil, digo eu, mas tentaremos certamente.

- Sim, é difícil, mas têm muitos bons jogadores, começando a citar alguns (Bernardo Silva, etc). Seguidamente fala das equipas que nos calharam no sorteio e refere que já tínhamos jogado com Uruguai e Gana no campeonato anterior. Em resumo, o homem sabia mais da nossa selecção do que eu!

- Pode sorrir para a câmara por favor. Tem o cartão de imigração?

Tive de preencher este documento ao entrar no Tajiquistão e agora ele pede-me para ficar confirmar a conformidade e ficar com ele.

Volta a sorrir, deseja-me uma boa estadia no Uzbequistão e diz-me que posso avançar para o controlo de raio-x da bagagem.

O Sr. Sadullo e o Alishir tinham ficado atrás do portão e despedem-se.

A passagem pelo raio-x faz-se sem problemas e entro na zona de ninguém, entre controlos fronteiriços.

É de noite e o silêncio impera somente quebrado pelas rodas da minha mala no alcatrão. Páro para absorver o momento. Quando foi a última vez que estive na zona de ninguém a pé? De malas atrás? Creio que nunca. E provavelmente não voltarei a estar, não sei.

Apesar de todo o ambiente ser amistoso até então, não é propriamente uma sensação tranquila a que me percorre, pelo que decido avançar.

Chego ao controlo fronteiriço do Uzbequistão, onde não estão a jantar.

- Passaporte.

- Aqui está.

- Ah, Portugali!

3, 2, 1…

- Cristiano Rounaldo!

- Sim, digo eu com um sorriso…Cristiano Ronaldo!

O sorriso é devolvido e de repente o formalismo acaba. Fala-se sobre a selecção portuguesa, sobre o campeonato do mundo, até que chega o sargento por trás. Olha para o passaporte e diz:

- PortugalI!

3, 2, 1…

- António Guterres!

Hein? Esta é que não estava à espera! Por algum motivo o homem é sargento. Aguardo um pouco para perceber se a menção do Secretário-Geral das NU é feita com agrado ou nem por isso, mas a face do sargento não se mostra muito reveladora. Descubro posteriormente que o António Guterres andou por aqui a plantar uma árvore. Certamente não foi só isso que ele fez na sua visita, mas creio que perceberam.

Pedem-me o certificado digital Covid-19, o qual já vinha “pronto” no telemóvel. Após mais uma carimbadela no passaporte, segue-se um sorriso e o desejo de uma boa estadia no Uzbequistão. Sempre que me perguntam o que venho fazer ao seu país e eu respondo turismo, ficam agradados. Perguntam que cidades visitarei, indico quais e obtenho como resposta:

- Boa escolha. Espero que goste!

Creio que a ideia de que alguém gosta do país deles ao ponto de viajar de tão longe para o conhecer é um elogio. Imagino também que não tenham muitos turistas a passar pela fronteira em questão. Portugueses devem ser raros, pelo que me vão dizendo e pelas reacções que vou obtendo.

Sigo para o controlo de raio-x de entrada no Uzbequistão. O telemóvel desaparece dentro da máquina do raio-x, mas depois de andar a passadeira para trás e para a frente, lá aparece vivo.

Chego então ao portão de entrada no Uzbequistão. Pedem-me novamente o passaporte, mostro e entro no Uzbequistão. A escuridão é total, luzes não existem.

Quatro taxistas perguntam o óbvio: se preciso de um táxi. Já alertado para o preço que seria justo, preparo-me para pagar o dobro. Inicialmente pedem-me o triplo. Fingem regatear entre eles, mas é-me dito que eles têm tudo combinado e, se algum deles, pedir menos do que o combinado, pode ser espancado pelos outros. É tarde, estou cansado e quero ir para o hotel em Samarcanda. Acabo por pagar cerca de 20% acima do valor justo.

Quarenta minutos de viagem e descubro a primeira das “curiosidades” locais. Os taxistas não sabem a localização de nada. Os passageiros é que têm de indicar. Escusado será dizer que, depois de chegarmos a Samarcanda, jogámos o jogo do “Mas onde é que raio fica este hotel?”.

Confesso que, noutras circunstâncias, poderia ser um jogo giro, mas estou cansado e com fome. Uso o Google maps e vamos dar a uma rua esconsa cheia de material de obras.

Liga-se para o hotel e o recepcionista dá umas instruções. O hotel está em obras e a entrada faz-se por outra porta afinal.

Simpaticamente, o recepcionista vem à rua e ajuda com a bagagem.

Feito o check-in, indaga-se se há algo para comer. Sim, ele tem uma espécie de ementa de um take-away.

Uma espécie de kebab com salada…estava bom, mas a fome ainda o fez melhor!


Caio literalmente na cama. O dia estava terminado, mas as memórias deste dia serão eternas!

 

 

 

 

 

terça-feira, 19 de abril de 2022

Dia 7 - De Duchambe a Haftkul/Sete Lagos - 280km

 Confesso que acordo moído da viagem de ontem às 40 raparigas, mas entusiasmado com os dias que se seguem. Hoje faço a mala para o circuito maior da viagem: ida para o Uzbequistão, onde visitarei várias cidades da Rota da Seda e regressarei pelo norte do Tajiquistão.

Por hoje irei visitar os Sete Lagos e depois seguirei para a fronteira que atravessarei a pé. Se tudo correr bem visitaremos Sarazm, património UNESCO cuja história remonta a 4000 A.C..

Mas, para já, a saída de Duchambe. Abastecemos o jipe (que funciona a GPL, como a esmagadora maioria dos veículos no Tajiquistão) e percebo que estamos a abastecer na Gazprom. Sou agora o feliz possuidor de uma factura da Gazprom…hum…adiante!



                                                                                    

Saímos em direcção a Noroeste e avisam-me que teremos de pagar portagem. Portagem? Boa! Teremos auto-estrada e será bem mais rápido e cómodo, penso eu. Hahaha, dizem vocês…e dizem bem!!!

Efectivamente, a estrada portajada é uma estrada comum cheia de camiões que se dirigem para a zona mineira de carvão daquela parte do país, pelo que de rápido nada tem.

Durante a primeira parte da viagem viajamos junto a um rio que é ladeado por casas de veraneio dos habitantes da capital. Num país onde a água é um bem relativamente escasso, ter casa à beira-rio é um luxo.

Rapidamente a paisagem passa a ser constituída por fantásticas montanhas escarpadas e cobertas de neve, pelo que a viagem começa a ser feita mais devagar ainda.


Curva após curva chegamos a um famoso túnel que demorou quase dez anos a ser acabado depois da sua inauguração. Faz-vos lembrar algum país da península ibérica começado em Portu e acabado em gal? Pois! O túnel de Istiqlol tem mais de 5000m de comprimento e foi construído por uma empresa iraniana. A qualidade de construção deixa um bocado a desejar efectivamente, pois o piso não é grande coisa, há muito pó dentro do túnel e água a escorrer. A sensação de o atravessar não é a mais confortável, confesso. Mesmo assim, é um grande avanço para o Tajiquistão, pois antes do túnel a viagem era muito perigosa devido ao risco de avalanches nas montanhas.



Passado o túnel e o desconforto da sua travessia, está chegada a hora de almoço, pelo que paramos num restaurante à beira da estrada para camionistas. Estas escolhas nunca enganam em qualquer lado do mundo! Deixo-vos com as imagens desta fabulosa refeição…só posso dizer que foi das melhores que tive durante a viagem. Esqueci-me de tirar foto ao borrego com batatas…desculpem lá!




À medida que descemos dos quase 3000m de altitude, a paisagem fica com menos neve e começam-se a ver rios que cruzam a paisagem árida.



Continuamos a descida e o verde começa a aparecer na paisagem…a água modifica a paisagem pouco a pouco.


Seguimos em direcção à fronteira do Uzbequistão. Passamos por mais montanhas, rios, paisagens deslumbrantes. Contudo, antes de irmos em direcção à fronteira, temos que ver os Sete Lagos, dizem-me. Eu, do alto (ou baixo) da minha ignorância, imaginava um local de onde se pudessem ver os sete lagos uns aos pé dos outros.

“Agora que estamos a sair da estrada de alcatrão são 14km pela estrada de terra”. 14km na estrada de terra? E voltar? Espero que bem sejam uns lagos fantásticos, penso!

Começamos então pela estrada única que serpenteia pelo fundo do desfiladeiro. Por muito que tente partilhar a sensação que temos ao percorrer esta estrada, nunca o conseguirei fazer. Silêncio, vento, aridez, água…mais silêncio enredado no vento…ou será o contrário? Aqui a água do degelo dos glaciares corre, fazendo brotar algum verde aqui e acolá.





Passo por algumas pessoas, casas no meio do nada, localidades no meio do nada, cada vez mais longínquas do que nós chamamos de civilização…burros, cabras…


…de repente muitas crianças a saírem da escola…mas onde está a escola? Paro para tirar umas fotografias e elas cumprimentam-me. Parece que não viam turistas há muito tempo por causa da pandemia.


Temos de seguir viagem, dizem-me. São quase cinco da tarde e ainda não chegámos aos lagos…e há que fazer o caminho de volta até ao alcatrão e depois até à fronteira…e depois da fronteira até Samarcanda. O dia será efectivamente longo.

Seguimos e rapidamente dizem-me: eis o primeiro lago.


O quê? Mas é um lago de cada vez? Sim, claro…os lagos formam-se ao longo do caminho. O Alishir e a Zarina estão tristes. Os lagos ainda estão muito pequenos, o degelo só agora começou.

Eu, por outro lado, estou extasiado!

Continuamos a viagem…a paisagem surpreende-me a cada curva, a cada lago, a cada localidade.




Mas “isto” não acaba? O pobre Alishir pára sempre que lhe peço. Pagarei um preço por tantas paragens, mas ainda não o sabia na altura.


O que é aquilo? Um rebanho? Um pastor?


De onde vieram?


Pego na câmara e faço zoom…é um menino…um menino pastor…ele não me vê. De cócoras olha a água…ou as cabras…ou as rochas…ou nenhuma destas. 

A sua meninice é esta, os seus brinquedos não imagino quais sejam. Será que sabe o que são? Que sabe o que é a infância?



Perco-me nestes pensamentos. Paulo! Paulo! Temos de ir.

Sim, claro…temos de ir. Entro no jipe…as lágrimas correm secas dentro de mim.

Chego a uma localidade…a cor nas montanhas não engana…vem aí o por-do-sol.


Continuamos…será que estou a ver bem? É mesmo? É um jogo de futebol!



O jogo pára assim que me vêem. Correm para mim. Confesso que não sei bem o que fazer. Páro de fotografar e filmar. Um deles tem uma camisola do Real Madrid, reparo. Aponto para a camisola e digo Real Madrid. Ele acena com a cabeça.

Cumprimento outro e outro…de repente o primeiro vira-se…é uma camisola do Cristiano Ronaldo! Não sendo uma surpresa total ver uma criança com uma camisola do nosso CR7, não deixa de ser algo que não esperava. Todos me querem cumprimentar…um deles tem uma camisola do Barcelona.

Imagino os fantásticos dérbies Barça-Real que aqui se jogam no vale do Rio Shing.


Meio atordoado, despeço-me. Mais tarde arrependo-me tremendamente de não ter ido jogar com eles. Uns meros 5min para fazer parte do mais fabuloso Barça-Real da História. Infelizmente, não me ocorreu na altura e quando fiz o caminho de regresso já o dérbi tinha terminado e não havia sinais dos jogadores.

Faço o resto da viagem com a voz embargada. Seguem-se mais paisagens espectaculares, mas as palavras não surgem.

Ficam as imagens...




Percorremos os 14km de volta e a noite cai. Infelizmente, já não conseguiremos visitar Sarazm e chegaremos à fronteira já de noite. O Alishir deixar-nos-á no lado Tajiquistanês da fronteira e voltará a apanhar-nos noutra fronteira daqui a uns dias.

A fronteira será para ser atravessada a pé com as malas, mas isso ficará para a próxima crónica.







segunda-feira, 18 de abril de 2022

Dia 6 de tarde - chegada a Childukhtaron/40 raparigas

Mal fazemos alguns quilómetros, o nosso destino aparece ao longe, o que faz sentido, pois tínhamos passado toda a manhã em viagem.

Uma cordilheira montanhosa com figuras ainda indiscerníveis ao fundo aparece…a estrada piora consideravelmente, ao que eu comento. A resposta é algo como: “Isto? Isto é muito bom!”. Efectivamente, era...eu é que ainda não sabia.

Já são quase 14h00 e ainda temos o caminho para trás…fico entusiasmado com a perspectiva de chegarmos ao destino até que me apercebo que ainda temos de atravessar um desfiladeiro para lá chegarmos! Não que a viagem em si não esteja a valer a pena, é claro que está…mas, tal como uma criança, quero ver o destino que nos trouxe aqui.

Faço zoom com a câmara e começo a vislumbrar as quarenta raparigas…quero dizer...mais ou menos...cof.


Iniciamos a descida até ao vale, onde sou surpreendido por toda uma natureza que não conseguia vislumbrar de cima. Peço ao Alishir para parar mais uma vez e saio…o único som que se ouve é do rio que corre, filho dos glaciares que vislumbro. A meu lado alguns cavalos parecem perguntar que faço eu ali, ao que lhes respondo que estou propositadamente perdido a seu lado. Ignoram-me e continuam a sua lide alimentar contínua.


Atravessamos o rio que aqui é mais tumultuoso e entramos na estrada de terra que nos fará companhia por alguns quilómetros ainda. Na estrada segue uma mulher de burro. Para onde irá e de onde vem é uma incógnita.


Finalmente chegamos ao nosso destino: Childukhtaron/40 raparigas!




Pronto, se calhar é preciso um pouco de imaginação para imaginar 40 raparigas nas montanhas, mas passo a contar-vos uma das versões da lenda que está por detrás do nome deste local.

40 raparigas de aldeias vizinhas, com a chegada dos invasores mongóis de Genghis Khan, deram-lhes luta e venceram, tendo sido petrificadas na montanha, de modo a permanecerem virgens e para sempre defensoras do vale.

A verdade é que este local faz parte de um parque natural belíssimo situado na província de Khatlon, sendo local de peregrinação e decorado com flores e laços na primavera.

À nossa chegada nada se ouve a não ser pássaros a cantar e o vento a soprar levemente…nada se ouve excepto uma enxada que ecoa ao bater na terra. Viro-me e vejo um velhote a cavar num canteiro de uma espécie de miradouro.

Com a ajuda preciosa da Zarina e do Alishir pergunto como se chama. Vovô Zarif, dizem-me. Tem setenta anos, tendo já ultrapassado em cinco anos a esperança média de vida dos Tajiques. Olho em volta e pergunto-me como ele terá ali chegado. Não vislumbro nenhum burro amarrado.

Consta que toma conta daquele espaço, o qual foi construído para o presidente ir inaugurar o miradouro e que se encontra aparentemente fechado.


Continua a cavar enquanto tiro fotos…sigo com o Alishir e aproveito para tirar uma foto com ele. Creio que a imponência do local se adequa à imponência do Alishir!



Ao descer para o carro passo pelo Vovô Zarif de novo, o qual continua a cavar o seu canteiro ao mesmo ritmo. Peço para tirar uma foto com ele, pedindo para lhe dizerem que valorizo imenso o seu trabalho e o seu cuidado com o espaço. Ele simpaticamente acede, embora a simpatia não transpareça na sua expressão facial. Tanto o sol, como o ar da montanha tornaram aquela face quase tão empedernida como as raparigas atrás de nós.



Despeço-me e sigo em direcção ao carro. Pergunto se seria ofensivo dar-lhe algum dinheiro, um reconhecimento pelo seu trabalho. Dizem-me que não e assim faço. Ele pega no dinheiro e diz-me: “desejo que Deus lhe devolva muitas vezes o que acabou de me dar”.

E assim parto…sei que para mim aquela quantia era irrisória, mas que lhe terá valido se calhar um ou dois dias de trabalho. Mais do que o valor monetário, o reconhecimento de uma vida de trabalho árdua, a qual sinto que o Vovô Zarif levará até ao seu último dia terreno.

Volto a inspirar profundamente aquele ar da montanha e assim fico a admirá-la. Relembram-me que temos quase cinco horas de viagem até casa e que já são quase três da tarde.

Partimos de regresso. Comigo levo o Vovô Zarif, o ar da montanha, a bravura das quarenta raparigas e toda a história de um povo em que muitas das suas lendas incluem invasões e destruição e que, mesmo assim, vive com candura.

Não poderia ter começado melhor esta viagem pela Ásia Central!