segunda-feira, 18 de abril de 2022

Dia 6 de tarde - chegada a Childukhtaron/40 raparigas

Mal fazemos alguns quilómetros, o nosso destino aparece ao longe, o que faz sentido, pois tínhamos passado toda a manhã em viagem.

Uma cordilheira montanhosa com figuras ainda indiscerníveis ao fundo aparece…a estrada piora consideravelmente, ao que eu comento. A resposta é algo como: “Isto? Isto é muito bom!”. Efectivamente, era...eu é que ainda não sabia.

Já são quase 14h00 e ainda temos o caminho para trás…fico entusiasmado com a perspectiva de chegarmos ao destino até que me apercebo que ainda temos de atravessar um desfiladeiro para lá chegarmos! Não que a viagem em si não esteja a valer a pena, é claro que está…mas, tal como uma criança, quero ver o destino que nos trouxe aqui.

Faço zoom com a câmara e começo a vislumbrar as quarenta raparigas…quero dizer...mais ou menos...cof.


Iniciamos a descida até ao vale, onde sou surpreendido por toda uma natureza que não conseguia vislumbrar de cima. Peço ao Alishir para parar mais uma vez e saio…o único som que se ouve é do rio que corre, filho dos glaciares que vislumbro. A meu lado alguns cavalos parecem perguntar que faço eu ali, ao que lhes respondo que estou propositadamente perdido a seu lado. Ignoram-me e continuam a sua lide alimentar contínua.


Atravessamos o rio que aqui é mais tumultuoso e entramos na estrada de terra que nos fará companhia por alguns quilómetros ainda. Na estrada segue uma mulher de burro. Para onde irá e de onde vem é uma incógnita.


Finalmente chegamos ao nosso destino: Childukhtaron/40 raparigas!




Pronto, se calhar é preciso um pouco de imaginação para imaginar 40 raparigas nas montanhas, mas passo a contar-vos uma das versões da lenda que está por detrás do nome deste local.

40 raparigas de aldeias vizinhas, com a chegada dos invasores mongóis de Genghis Khan, deram-lhes luta e venceram, tendo sido petrificadas na montanha, de modo a permanecerem virgens e para sempre defensoras do vale.

A verdade é que este local faz parte de um parque natural belíssimo situado na província de Khatlon, sendo local de peregrinação e decorado com flores e laços na primavera.

À nossa chegada nada se ouve a não ser pássaros a cantar e o vento a soprar levemente…nada se ouve excepto uma enxada que ecoa ao bater na terra. Viro-me e vejo um velhote a cavar num canteiro de uma espécie de miradouro.

Com a ajuda preciosa da Zarina e do Alishir pergunto como se chama. Vovô Zarif, dizem-me. Tem setenta anos, tendo já ultrapassado em cinco anos a esperança média de vida dos Tajiques. Olho em volta e pergunto-me como ele terá ali chegado. Não vislumbro nenhum burro amarrado.

Consta que toma conta daquele espaço, o qual foi construído para o presidente ir inaugurar o miradouro e que se encontra aparentemente fechado.


Continua a cavar enquanto tiro fotos…sigo com o Alishir e aproveito para tirar uma foto com ele. Creio que a imponência do local se adequa à imponência do Alishir!



Ao descer para o carro passo pelo Vovô Zarif de novo, o qual continua a cavar o seu canteiro ao mesmo ritmo. Peço para tirar uma foto com ele, pedindo para lhe dizerem que valorizo imenso o seu trabalho e o seu cuidado com o espaço. Ele simpaticamente acede, embora a simpatia não transpareça na sua expressão facial. Tanto o sol, como o ar da montanha tornaram aquela face quase tão empedernida como as raparigas atrás de nós.



Despeço-me e sigo em direcção ao carro. Pergunto se seria ofensivo dar-lhe algum dinheiro, um reconhecimento pelo seu trabalho. Dizem-me que não e assim faço. Ele pega no dinheiro e diz-me: “desejo que Deus lhe devolva muitas vezes o que acabou de me dar”.

E assim parto…sei que para mim aquela quantia era irrisória, mas que lhe terá valido se calhar um ou dois dias de trabalho. Mais do que o valor monetário, o reconhecimento de uma vida de trabalho árdua, a qual sinto que o Vovô Zarif levará até ao seu último dia terreno.

Volto a inspirar profundamente aquele ar da montanha e assim fico a admirá-la. Relembram-me que temos quase cinco horas de viagem até casa e que já são quase três da tarde.

Partimos de regresso. Comigo levo o Vovô Zarif, o ar da montanha, a bravura das quarenta raparigas e toda a história de um povo em que muitas das suas lendas incluem invasões e destruição e que, mesmo assim, vive com candura.

Não poderia ter começado melhor esta viagem pela Ásia Central!







  







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