Mal fazemos alguns quilómetros, o nosso destino aparece ao longe, o que faz sentido, pois tínhamos passado toda
a manhã em viagem.
Uma cordilheira montanhosa com figuras ainda indiscerníveis ao fundo aparece…a estrada piora consideravelmente, ao que eu comento. A resposta é algo como: “Isto? Isto é muito bom!”. Efectivamente, era...eu é que ainda não sabia.
Já são quase 14h00 e ainda temos
o caminho para trás…fico entusiasmado com a perspectiva de chegarmos ao destino
até que me apercebo que ainda temos de atravessar um desfiladeiro para lá
chegarmos! Não que a viagem em si não esteja a valer a pena, é claro que está…mas,
tal como uma criança, quero ver o destino que nos trouxe aqui.
Faço zoom com a câmara e começo a vislumbrar as quarenta raparigas…quero dizer...mais ou menos...cof.
Iniciamos a descida até ao vale,
onde sou surpreendido por toda uma natureza que não conseguia vislumbrar de
cima. Peço ao Alishir para parar mais uma vez e saio…o único som que se ouve é
do rio que corre, filho dos glaciares que vislumbro. A meu lado alguns cavalos
parecem perguntar que faço eu ali, ao que lhes respondo que estou
propositadamente perdido a seu lado. Ignoram-me e continuam a sua lide
alimentar contínua.
Atravessamos o rio que aqui é
mais tumultuoso e entramos na estrada de terra que nos fará companhia por
alguns quilómetros ainda. Na estrada segue uma mulher de burro. Para onde irá e
de onde vem é uma incógnita.
Finalmente chegamos ao nosso
destino: Childukhtaron/40 raparigas!
Pronto, se calhar é preciso um
pouco de imaginação para imaginar 40 raparigas nas montanhas, mas passo a
contar-vos uma das versões da lenda que está por detrás do nome deste local.
40 raparigas de aldeias vizinhas,
com a chegada dos invasores mongóis de Genghis Khan, deram-lhes luta e
venceram, tendo sido petrificadas na montanha, de modo a permanecerem virgens e
para sempre defensoras do vale.
A verdade é que este local faz
parte de um parque natural belíssimo situado na província de Khatlon, sendo
local de peregrinação e decorado com flores e laços na primavera.
À nossa chegada nada se ouve a
não ser pássaros a cantar e o vento a soprar levemente…nada se ouve excepto uma
enxada que ecoa ao bater na terra. Viro-me e vejo um velhote a cavar num
canteiro de uma espécie de miradouro.
Com a ajuda preciosa da Zarina e
do Alishir pergunto como se chama. Vovô Zarif, dizem-me. Tem setenta anos,
tendo já ultrapassado em cinco anos a esperança média de vida dos Tajiques. Olho
em volta e pergunto-me como ele terá ali chegado. Não vislumbro nenhum burro
amarrado.
Consta que toma conta daquele
espaço, o qual foi construído para o presidente ir inaugurar o miradouro e que
se encontra aparentemente fechado.
Continua a cavar enquanto tiro
fotos…sigo com o Alishir e aproveito para tirar uma foto com ele. Creio que a
imponência do local se adequa à imponência do Alishir!
Ao descer para o carro passo pelo
Vovô Zarif de novo, o qual continua a cavar o seu canteiro ao mesmo ritmo. Peço
para tirar uma foto com ele, pedindo para lhe dizerem que valorizo imenso o seu
trabalho e o seu cuidado com o espaço. Ele simpaticamente acede, embora a
simpatia não transpareça na sua expressão facial. Tanto o sol, como o ar da
montanha tornaram aquela face quase tão empedernida como as raparigas atrás de
nós.
Despeço-me e sigo em direcção ao
carro. Pergunto se seria ofensivo dar-lhe algum dinheiro, um reconhecimento
pelo seu trabalho. Dizem-me que não e assim faço. Ele pega no dinheiro e
diz-me: “desejo que Deus lhe devolva muitas vezes o que acabou de me dar”.
E assim parto…sei que para mim
aquela quantia era irrisória, mas que lhe terá valido se calhar um ou dois dias
de trabalho. Mais do que o valor monetário, o reconhecimento de uma vida de
trabalho árdua, a qual sinto que o Vovô Zarif levará até ao seu último dia
terreno.
Volto a inspirar profundamente
aquele ar da montanha e assim fico a admirá-la. Relembram-me que temos quase
cinco horas de viagem até casa e que já são quase três da tarde.
Partimos de regresso. Comigo levo
o Vovô Zarif, o ar da montanha, a bravura das quarenta raparigas e toda a
história de um povo em que muitas das suas lendas incluem invasões e destruição
e que, mesmo assim, vive com candura.
Não poderia ter começado melhor
esta viagem pela Ásia Central!
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