terça-feira, 19 de abril de 2022

Dia 7 - De Duchambe a Haftkul/Sete Lagos - 280km

 Confesso que acordo moído da viagem de ontem às 40 raparigas, mas entusiasmado com os dias que se seguem. Hoje faço a mala para o circuito maior da viagem: ida para o Uzbequistão, onde visitarei várias cidades da Rota da Seda e regressarei pelo norte do Tajiquistão.

Por hoje irei visitar os Sete Lagos e depois seguirei para a fronteira que atravessarei a pé. Se tudo correr bem visitaremos Sarazm, património UNESCO cuja história remonta a 4000 A.C..

Mas, para já, a saída de Duchambe. Abastecemos o jipe (que funciona a GPL, como a esmagadora maioria dos veículos no Tajiquistão) e percebo que estamos a abastecer na Gazprom. Sou agora o feliz possuidor de uma factura da Gazprom…hum…adiante!



                                                                                    

Saímos em direcção a Noroeste e avisam-me que teremos de pagar portagem. Portagem? Boa! Teremos auto-estrada e será bem mais rápido e cómodo, penso eu. Hahaha, dizem vocês…e dizem bem!!!

Efectivamente, a estrada portajada é uma estrada comum cheia de camiões que se dirigem para a zona mineira de carvão daquela parte do país, pelo que de rápido nada tem.

Durante a primeira parte da viagem viajamos junto a um rio que é ladeado por casas de veraneio dos habitantes da capital. Num país onde a água é um bem relativamente escasso, ter casa à beira-rio é um luxo.

Rapidamente a paisagem passa a ser constituída por fantásticas montanhas escarpadas e cobertas de neve, pelo que a viagem começa a ser feita mais devagar ainda.


Curva após curva chegamos a um famoso túnel que demorou quase dez anos a ser acabado depois da sua inauguração. Faz-vos lembrar algum país da península ibérica começado em Portu e acabado em gal? Pois! O túnel de Istiqlol tem mais de 5000m de comprimento e foi construído por uma empresa iraniana. A qualidade de construção deixa um bocado a desejar efectivamente, pois o piso não é grande coisa, há muito pó dentro do túnel e água a escorrer. A sensação de o atravessar não é a mais confortável, confesso. Mesmo assim, é um grande avanço para o Tajiquistão, pois antes do túnel a viagem era muito perigosa devido ao risco de avalanches nas montanhas.



Passado o túnel e o desconforto da sua travessia, está chegada a hora de almoço, pelo que paramos num restaurante à beira da estrada para camionistas. Estas escolhas nunca enganam em qualquer lado do mundo! Deixo-vos com as imagens desta fabulosa refeição…só posso dizer que foi das melhores que tive durante a viagem. Esqueci-me de tirar foto ao borrego com batatas…desculpem lá!




À medida que descemos dos quase 3000m de altitude, a paisagem fica com menos neve e começam-se a ver rios que cruzam a paisagem árida.



Continuamos a descida e o verde começa a aparecer na paisagem…a água modifica a paisagem pouco a pouco.


Seguimos em direcção à fronteira do Uzbequistão. Passamos por mais montanhas, rios, paisagens deslumbrantes. Contudo, antes de irmos em direcção à fronteira, temos que ver os Sete Lagos, dizem-me. Eu, do alto (ou baixo) da minha ignorância, imaginava um local de onde se pudessem ver os sete lagos uns aos pé dos outros.

“Agora que estamos a sair da estrada de alcatrão são 14km pela estrada de terra”. 14km na estrada de terra? E voltar? Espero que bem sejam uns lagos fantásticos, penso!

Começamos então pela estrada única que serpenteia pelo fundo do desfiladeiro. Por muito que tente partilhar a sensação que temos ao percorrer esta estrada, nunca o conseguirei fazer. Silêncio, vento, aridez, água…mais silêncio enredado no vento…ou será o contrário? Aqui a água do degelo dos glaciares corre, fazendo brotar algum verde aqui e acolá.





Passo por algumas pessoas, casas no meio do nada, localidades no meio do nada, cada vez mais longínquas do que nós chamamos de civilização…burros, cabras…


…de repente muitas crianças a saírem da escola…mas onde está a escola? Paro para tirar umas fotografias e elas cumprimentam-me. Parece que não viam turistas há muito tempo por causa da pandemia.


Temos de seguir viagem, dizem-me. São quase cinco da tarde e ainda não chegámos aos lagos…e há que fazer o caminho de volta até ao alcatrão e depois até à fronteira…e depois da fronteira até Samarcanda. O dia será efectivamente longo.

Seguimos e rapidamente dizem-me: eis o primeiro lago.


O quê? Mas é um lago de cada vez? Sim, claro…os lagos formam-se ao longo do caminho. O Alishir e a Zarina estão tristes. Os lagos ainda estão muito pequenos, o degelo só agora começou.

Eu, por outro lado, estou extasiado!

Continuamos a viagem…a paisagem surpreende-me a cada curva, a cada lago, a cada localidade.




Mas “isto” não acaba? O pobre Alishir pára sempre que lhe peço. Pagarei um preço por tantas paragens, mas ainda não o sabia na altura.


O que é aquilo? Um rebanho? Um pastor?


De onde vieram?


Pego na câmara e faço zoom…é um menino…um menino pastor…ele não me vê. De cócoras olha a água…ou as cabras…ou as rochas…ou nenhuma destas. 

A sua meninice é esta, os seus brinquedos não imagino quais sejam. Será que sabe o que são? Que sabe o que é a infância?



Perco-me nestes pensamentos. Paulo! Paulo! Temos de ir.

Sim, claro…temos de ir. Entro no jipe…as lágrimas correm secas dentro de mim.

Chego a uma localidade…a cor nas montanhas não engana…vem aí o por-do-sol.


Continuamos…será que estou a ver bem? É mesmo? É um jogo de futebol!



O jogo pára assim que me vêem. Correm para mim. Confesso que não sei bem o que fazer. Páro de fotografar e filmar. Um deles tem uma camisola do Real Madrid, reparo. Aponto para a camisola e digo Real Madrid. Ele acena com a cabeça.

Cumprimento outro e outro…de repente o primeiro vira-se…é uma camisola do Cristiano Ronaldo! Não sendo uma surpresa total ver uma criança com uma camisola do nosso CR7, não deixa de ser algo que não esperava. Todos me querem cumprimentar…um deles tem uma camisola do Barcelona.

Imagino os fantásticos dérbies Barça-Real que aqui se jogam no vale do Rio Shing.


Meio atordoado, despeço-me. Mais tarde arrependo-me tremendamente de não ter ido jogar com eles. Uns meros 5min para fazer parte do mais fabuloso Barça-Real da História. Infelizmente, não me ocorreu na altura e quando fiz o caminho de regresso já o dérbi tinha terminado e não havia sinais dos jogadores.

Faço o resto da viagem com a voz embargada. Seguem-se mais paisagens espectaculares, mas as palavras não surgem.

Ficam as imagens...




Percorremos os 14km de volta e a noite cai. Infelizmente, já não conseguiremos visitar Sarazm e chegaremos à fronteira já de noite. O Alishir deixar-nos-á no lado Tajiquistanês da fronteira e voltará a apanhar-nos noutra fronteira daqui a uns dias.

A fronteira será para ser atravessada a pé com as malas, mas isso ficará para a próxima crónica.







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